Ir de manhã para a faculdade, almoçar no campus, descansar em gramados ou saguões e esperar junto com colegas para ter outra aula mais tarde é uma rotina familiar para quem já passou por uma graduação. Esse cotidiano, porém, está sendo uma novidade para muitos estudantes que iniciaram suas formações nas universidades nos últimos dois anos, enquanto a pandemia mudou a forma de estudar, com todas ou parte das aulas de forma remota.
Em cinco grandes instituições de Ensino Superior gaúchas – PUCRS, UFPel, UFRGS, UFSM e Unisinos – pelo menos 35 mil alunos ingressaram ao longo de 2020 e 2021. O número pode ser maior, visto que a UFRGS, por exemplo, ainda não tem dados consolidados de 2021.
Na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), cerca de 5 mil estudantes começaram suas graduações nesses dois anos. Uma delas é Laura Eleutherio, 20 anos, que está no terceiro semestre do curso de Arquitetura e Urbanismo da instituição. A jovem iniciou os estudos no começo de 2020 e se decepcionou com a perspectiva de fazer as aulas no formato remoto.
— Acho que todos os estudantes se sentiram decepcionados. A gente era calouro, queria viver o campus, o contato com os colegas. Foi bem difícil ficar só em casa, mas, com o passar do tempo, a gente foi se acostumando — lembra Laura.
Um pouco do vínculo com os colegas se formou durante a realização de trabalhos em grupo, mesmo que à distância – mas mais superficial, nem perto do que a graduanda desejava. No ano passado, a jovem chegou a ter algumas aulas presenciais, ainda que em períodos isolados, sem a criação de uma rotina de ida à universidade. Em 2022, chegou o momento de experimentar o mundo universitário.
— Eu venho para a faculdade de manhã, porque faço iniciação científica, e fico aqui o dia inteiro, porque moro longe, em Gravataí. Minhas aulas começam à tarde e vão até de noite. Está sendo incrível ter essa experiência de conhecer meus colegas e professores, ter essa troca, ter contato com alunos de outros cursos — conta Laura, salientando que a novidade também pode ser desafiadora e cansativa, já que, pela primeira vez, os estudantes estão tendo que sair do conforto de suas casas.
O ensino também teve ganhos, na opinião da futura arquiteta:
— Os professores tentavam dar o seu melhor, mas era muito difícil no formato remoto. Também dava vergonha de perguntar algo para o professor, em uma sala virtual lotada. Agora, tu sente mais a integração com a turma e fica mais à vontade. Minha graduação vai ser separada entre antes e depois do presencial — resume a jovem.
Para ter um pouco do gostinho das aulas presenciais, Sofia Borges, 19 anos, que cursa o quinto semestre de Biomedicina na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), teve uma ideia: fazer um curso que desse noções básicas aos alunos sobre como se trabalha em um laboratório. A proposta foi fruto de uma experiência difícil com as aulas remotas.
— Foi bem complicado se adaptar ao estudo em casa. Demorou mais de meio ano para a turma e os professores se acostumarem com a plataforma e, mesmo depois, eu odiei, porque é muito ruim ficar em casa, ainda mais quando tu ainda não tem os teus amigos na faculdade. Por isso, no segundo semestre de 2021, eu e uma amiga começamos a fazer uma movimentação para voltar — relata a universitária.
A jovem lembra que conversou com coordenação e professores e percebeu que muitos tinham vontade de voltar ao presencial, mas, como já havia um calendário aprovado em andamento, o que era possível naquele momento era oferecer uma atividade extracurricular. Foi criado, então, o Curso de Instrumentação Laboratorial, para estudantes de Farmácia e Biomedicina.
— A adesão nos surpreendeu. O curso envolveu uns 100 alunos. Achávamos que só pessoas que entraram na faculdade durante a pandemia teriam interesse, mas pessoas de semestres mais adiantados também quiseram — destaca Sofia.
Na UFCSPA, a previsão é de que 100% das aulas práticas e 50% das teóricas voltem para a presencialidade em abril. A retomada total deve acontecer de forma gradual entre maio e julho. Mas, para Sofia, a experiência do curso e a iniciação científica em um laboratório da universidade, iniciada em 2021, mas tornada presencial em 2022, já fizeram uma grande diferença em seu aprendizado.
— Nesse mês em que eu fui todos os dias para a UFCSPA eu já aprendi tanta coisa. Tu pega o jeito muito rápido, agora sinto que posso fazer na prática aquilo que, quando me ensinaram, parecia muito mais difícil do que é na vida real — comenta a graduanda.
Já veterano em graduações, Luis Henrique Severo, 35 anos, desbrava seu terceiro curso, agora de Psicologia, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Formado em Educação Física, ele começou a nova faculdade em janeiro de 2021. Sente que as aulas remotas não lhe incomodaram tanto quanto seus colegas mais novos, mas, mesmo assim, representaram desafios.
— No início, a turma começou as aulas remotas motivada de conhecer os colegas, alguns abriam câmeras, outros não. Até consegui vários vínculos sociais que achava que, no online, não iriam acontecer. No segundo semestre isso se manteve, mas, no último, eu vi que as pessoas, inclusive eu, já estavam um pouco cansadas disso de estar em casa o tempo inteiro — analisa Luis.
Por enquanto, as aulas do estudante seguem remotas. Algumas atividades, no entanto, já estão presenciais, como o projeto de extensão do qual ele faz parte, de acompanhamento terapêutico. O universitário afirma que a experiência tem sido boa especialmente no que se refere a conversas não vinculadas às aulas em si.
— Agora temos as conversas entre aulas, que o online não tem. No online, a gente entra na sala virutal, dá oi, espera o professor começar e, quando termina a aula, todo mundo sai da sala e acabou. Tu volta para a tua casa instantaneamente. No presencial não: tu entra, conversa com os colegas, tem aula quando chega o professor, conversa mais um pouco no intervalo e depois na saída — descreve o aluno de Psicologia, que avalia que esses momentos entre os estudos ajudam no próprio aprendizado.
Raquel Soltof Fulber, 21 anos, cursa o quinto semestre de Medicina na Feevale. Diz que teve seu sonho frustrado ao longo desses dois anos.
— Depois de um vestibular tão difícil, em que todo mundo luta tanto para conseguir passar, começa a faculdade, o sonho e, do nada, para tudo e todo mundo tem que ir para casa. No início, a faculdade é uma coisa que a gente quer muito. Os estudantes de Medicina sonham em usar o jaleco, o estetoscópio, conviver com o paciente. Essas são motivações pra não desistir de estudar para o vestibular. Foi frustrante — admite a jovem.
Em disciplinas práticas, como Anatomia, a estudante relata que, mesmo com o esforço dos professores, ficaram lacunas de aprendizagem que só agora, no presencial, devem ser preenchidas. Ela sente que só agora, sem revezamento e com aulas todos os dias, está realmente vivendo a faculdade.
— Está sendo incrível ver os amigos, os pacientes, os professores. Vamos começar a ter prática no hospital no início de abril e estamos muito empolgados — conta Raquel.