Revoltados com o desligamento de 195 estudantes que têm matrícula provisória na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um grupo de alunos realizou protesto em frente à Reitoria na manhã desta segunda-feira (7). Por volta das 11h30min, cerca de cem pessoas estavam reunidas no local. O grupo entregou um documento com reivindicações a Paulo Mayorga, chefe de gabinete da Reitoria da universidade — que adiantou, em entrevista a GZH, que não há possibilidade de reversão (confira abaixo).
Usando máscara e agitando bandeiras, eles cantaram músicas com dizeres como “Eu sou cotista, quero estudar”, entre outros. Parte deles será prejudicado pelo desligamento, e outra parte é ligada ao Diretório Central dos Estudantes (DCE) e apoia o grupo. Os alunos iniciaram o ato por volta das 10h30min e encerraram às 12h15min, de forma pacífica.
Conforme a UFRGS, o desligamento feito nesta segunda-feira atinge candidatos com vínculo provisório, que dependiam de análise de matrícula para seguir na instituição. A maior parte deles havia ingressado por cotas e aguardava a finalização da avaliação, mas a matrícula provisória é cancelada caso o candidato não cumpra com as exigências previstas no edital.
Segundo a Comissão Coordenadora de Ingresso em Cursos de Graduação da UFRGS, a avaliação é feita continuamente, mas, por conta da pandemia, não houve desligamentos ao fim do semestre 2020/1. Por isso, no encerramento do semestre 2020/2, os vínculos estão sendo descontinuados, e houve acúmulo no número de alunos, chegando ao número de 195.
A UFRGS afirma que há candidatos que não comprovaram a conclusão do Ensino Médio e que não entregaram a documentação exigida pelo edital, mesmo quando foi dada nova oportunidade para isso. Também há pessoas que não comprovaram a condição de pessoa com deficiência, nem ser egresso de escola pública (exigência para vagas por cotas), que não participaram das sessões de verificação presencial de autodeclaração e ainda candidatos que não comprovaram a renda per capita exigida para determinadas vagas.
Já os alunos afirmam haver dificuldade na comunicação com a universidade e argumentam que muitos dos prejudicados não conseguiram ter acesso à notificação, já que cai em caixas de spam do e-mail ou ficam disponíveis no portal da UFRGS, "acumulando com outras demandas dos estudantes".
— Eles abrem prazos curtos e, muitas vezes, os alunos não conseguem pegar os documentos em tempo hábil. Além disso, é difícil falar com a universidade, tanto por telefone quanto por e-mail. Nós não queremos a incorporação de todo mundo, até porque existem casos de fraudes, mas defendemos mais prazo para que os estudantes consigam se regularizar — defende Victória Farias, que faz parte do Grupo de Trabalho de Matrículas do DCE.
No documento, os alunos pedem a extensão do prazo para análise da documentação e definição, no edital, do período necessário para o retorno sobre efetivação da matrícula.
"Ataque às cotas"
Ao finalizar o quarto semestre de História da Arte, Daniele Barbosa, 27 anos, foi surpreendida pela notificação de desligamento. Ela ingressou na UFRGS em 2018, com cotas para estudantes de escola pública e baixa renda, e argumenta que houve uma série de deslizes de avaliação da universidade.
— Eu entrei aqui com o meu nome de casada e mostrei meu comprovante do Ensino Médio com o nome de solteira, e indeferiram logo de cara. Entrei com recurso, e precisei entrar em todas as esferas de avaliação. Quando fiz a matrícula provisória, assinei um documento em que fui informada de que seria avisada da movimentação por e-mail, e aí parei de acompanhar.
Ela diz que no ano seguinte, acessou o portal "por acaso" e descobriu que seu recurso havia sido indeferido. Após ingressar com processo administrativo, ficou aguardando por novas atualizações no portal, mas não as recebeu.
— Soube ontem à noite por acaso, por uma conhecida, que vou ser desligada. E esses recursos públicos? Podem simplesmente jogar fora? Meu estágio vai até novembro, minha bolsa até outubro, eu sustento minha filha com esses recursos. Foi um ataque violento às cotas.
Thayna Duarte, 20, também está na lista de estudantes desligados — ela cursa Psicologia desde 2019. Conforme a aluna, ela perdeu o prazo para enviar um recurso que foi enviado para sua caixa de spam no e-mails. Assim, ela acionou a Defensoria Pública, que moveu um processo contra a universidade. Conforme Thayna, ela tinha os documentos solicitados pela universidade, mas não houve diálogo para que pudesse entregar no prazo:
— Chegaram a pedir o comprovante do Imposto de Renda dos meus irmãos de oito e dez anos. Só vi as notificações quando fechou o prazo. Peguei os documentos todos, levei, mas disseram que não podiam aceitar porque o prazo já venceu. Falta flexibilidade da UFRGS em aceitar documentos já comprovados. Eles não ligam, demoram muito tempo para avaliar — reclama a estudante, que entrou por cota racial, por renda e por ser egressa de escola pública.
UFRGS não cogita estender o prazo
A matrícula provisória existe como opção desde 2016 a partir de um acordo com a Defensoria Pública — antes, os alunos só podiam efetivar seu ingresso na universidade quando eram esgotados todos os procedimentos de análise racial e socioeconômica, entre outros. Da mesma forma, a UFRGS passou, nesta gestão, a fazer desligamentos ao fim de cada semestre, e não de forma quinzenal. O objetivo é possibilitar que os estudantes concluam o período de estudos e possam transferir seus créditos para outra universidade em caso de desligamento.
O chefe de gabinete da Reitoria da UFRGS, Paulo Mayorga, garante que todos os alunos passam por diferentes comissões para reduzir a chance de erro no processo. Em relação à reivindicação dos estudantes, afirma haver também um canal de comunicação direta:
— As comissões de recursos são diferentes das que analisam para haver imparcialidade e reduzir a possibilidade de erro. A administração está muito segura e muito tranquila em relação ao procedimento feito. Todos os alunos recebem e-mail quando há movimentação de processo, são comunicados dos desligamentos e tiveram direito de complementar a documentação. Não há problema de comunicação, eles podem ser atendidos inclusive em salas virtuais. Acho que é alguém que está tentando uma última cartada para tentar dizer que está sendo injustiçado.
Questionado sobre a extensão de prazo, Mayorga garantiu a GZH que esta possibilidade não existe. Os alunos podem judicializar o processo, mas o entendimento da universidade é de que o sistema já foi preparado para não haver erros:
— A gente entende que é uma situação desagradável, ruim para todo mundo. Nossa intenção tem sido dar a maior celeridade possível para análises. Entendemos que a política de cotas tem que ser valorizada, preservada. Para a universidade, não é interessante ter uma vaga ociosa, mas não posso tolerar uma pessoa aqui dentro que não cumpre um critério.
Conforme Mayorga, novas pessoas serão chamadas para preencher as vagas desocupadas.