O principal assunto na área da educação no Estado nos últimos dias é a retomada das aulas presenciais, mas é preciso lembrar que as atividades remotas vão continuar. E uma das dificuldades no ensino público é o acesso à internet para poder receber e enviar os conteúdos disponibilizados pelas escolas.
A solução para o problema seria a internet bancada pelo governo do Estado e pela Assembleia Legislativa. No entanto, passado quase um mês da liberação do sinal, somente 8% da rede estadual já aproveitou o serviço. Conforme a Secretaria Estadual de Educação (Seduc), cerca de 70 mil dos 858 mil alunos e professores utilizaram a plataforma educacional.
O sinal foi liberado em 21 de agosto pelas operadoras TIM, Claro, Vivo e Oi, que respondem por 97% da telefonia móvel do Rio Grande do Sul, apesar de o anúncio oficial ter sido feito no dia 27. O programa é viabilizado com R$ 5,4 milhões em recursos economizados pela Assembleia Legislativa e R$ 3,1 milhões do governo do Estado.
Quem tem condições de manter um plano particular, opta pela internet própria. A reclamação principal é que o sinal é somente liberado para a plataforma usada pela Seduc para realização de atividades, não permitindo, por exemplo, consultas em sites e utilização de ferramentas frequentemente adotadas por professores para passar conteúdos, como o YouTube.
O Estado confirma que a internet patrocinada permite apenas acesso às ferramentas educacionais do Google: Google Sala de Aula, Google Drive, Google Meet, agenda, documentos, planilhas, apresentações, formulários, Jamboard. No caso dos estudantes do 3º ano, também é possível acessar a plataforma Resolve Sim, com conteúdo complementar focado na preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio(Enem).
Sobre as contas educacionais no Google Sala de Aula, até o momento, 660 mil alunos (dos 820 mil), ou seja, 80%, e 38 mil professores(dos 38,5 mil), ou 98,7%, fizeram a ativação.
Preferência pela internet própria
Estudante da Escola Estadual de Ensino Médio Olindo Flores da Silva, que fica no bairro Scharlau, em São Leopoldo, Sabrina dos Santos, 18 anos, conta que utiliza a internet contratada pela família para as tarefas escolares. Diz que mesmo o serviço sendo disponibilizado pelo governo do Estado, não pretende aderir.
— A liberação dos dados é somente para a plataforma Google Classroom.. Alguns professores também utilizam o YouTube como ferramenta de aula. Aí teria que ficar trocando de internet a todo momento — explica a jovem, que tenta se preparar para o Enem.
"Isso (internet patrocinada) não adianta, porque muitas vezes temos que fazer consultas em sites"
SABRINA SANTOS, 18 ANOS
Estudante da Escola Estadual de Ensino Médio Olindo Flores da Silva
Para Sabrina, houve demora excessiva do governo para liberação do sinal. Mas ressalta que “só com internet não se consegue uma educação de qualidade”.
— A situação dos professores não está boa, dos alunos não está boa. Já se passou do meio do ano e só agora liberaram a internet. Este está sendo um ano de "faz de conta". Tem muito aluno que já saiu da escola porque não tinha internet, não tem computador, tem que trabalhar — lamenta a estudante.
O secretário estadual da Educação, Faisal Karam, diz que o Estado vem trabalhando para oferecer aos alunos e professores o máximo de recursos para que consigam realizar as aulas remotas da melhor maneira possível. Classifica os 8% de adesão ao sinal liberado como "um número importante de acessos ao serviço de internet patrocinada disponibilizado pelo Estado".
— Seguimos reforçando, por meio das Coordenadorias Regionais de Educação e escolas, essa oferta de conexão para aqueles que mais necessitam — afirma.
"Temos um número importante de acessos ao serviço de internet patrocinada disponibilizado pelo Estado"
FAISAL KARAM
Secretário Estadual de Educação
Reclamação sobre limitação da internet patrocinada
A professora Fernanda Camargo da Fonseca, 30 anos, dá aulas de Língua Portuguesa e Literatura na Escola Estadual Antão de Faria, que fica na zona norte de Porto Alegre. Ficou sabendo que a internet patrocinada pelo governo estava disponível logo que foi liberada. Mas não recebeu nenhum aviso. Soube por colegas, em um grupo de WhatsApp. Conta que já testou, mas que tem utilizado a internet da sua residência. Lembra que a internet é somente para a plataforma de estudos liberada pelo governo e para um aplicativo usado pelos professores para incluir notas e presenças das aulas. Segundo ela, a maioria dos seus alunos não está usando.
— Muitos deles já têm os dados cadastrais certinho, mas ainda não estão inteirados de como funciona a internet gratuita — conta a professora.
Fernanda relata que a maioria segue enviando suas atividades por meios alternativos, como o WhastApp. Assim como a estudante Sabrina, a professora acredita que facilitaria muito o trabalho do professor e dos alunos se a internet fosse estendida para uso de outros aplicativos.
— Eu acredito que precisaria ter acesso ao YouTube. Eu faço muitas videoaulas e posto os links para os alunos assistirem. Eu também indico vídeos (no YouTube) para os alunos assistirem — relata.
A professora traz um dado preocupante no que diz respeito às aulas. Segundo ela, entre 30% e 40% de seus alunos não estão acompanhando as atividades ainda:
— Como a nossa escola é bem carente, a gente percebe essa dificuldade. Mas a gente está entendo e buscando resolver essas questões.
Serviço pouco divulgado
Rita de Cássia Assunção Lima, 49 anos, é professora na Escola Estadual de Ensino Fundamental Matias de Albuquerque, na zona sul de Porto Alegre. Dá aula para o 2º ano do Ensino Fundamental.
— A internet é muito seletiva. As famílias dos alunos têm a internet muito mais para redes sociais. Não têm pacote de dados para um volume muito grande para ir baixando (conteúdo de aula). Precisamos explicar via Whats e Face — relata a professora.
Segundo Rita, os professores não foram comunicados oficialmente sobre a disponibilidade de internet patrocinada pelo governo.
— Fiquei sabendo por uma colega. Já tentei no meu celular e não acessa. Então, eu uso a minha internet — relata a professora, ao dizer que, por esse motivo, nem comunicou aos alunos sobre essa possibilidade.
Sabendo das dificuldades de acesso à internet dos alunos, diz que tem evitado enviar conteúdo que necessite de muitos dados para serem baixados:
— Não colocamos muitos vídeos porque consomem muitos dados. E existe outra dificuldade. Às vezes, a família tem um celular para três, quatro filhos. E os pais ainda trabalham. Por isso, a gente dá mais tempo para realização das atividades.
Além do Google Sala de Aula, Rita usa o WhatsApp e o Facebook para enviar as atividades.
— Como eles fazem com a internet deles, baixam as atividades pelas redes sociais, já que alguns pacotes de operadoras não cobram pelo uso delas, e apenas respondem no Google Classroom — conta Rita.
A professora diz que três dos seus 26 alunos não têm enviado nenhuma atividade. Segundo ela, dos outros 23, cerca de 40% a 50% fazem os exercícios diariamente, e os demais, conforme a rotina de quem possui celular na casa.
Para a vice-presidente do Cpers, Solange Carvalho, a baixa adesão à internet patrocinada significa que "o plano acordado com as operadoras simplesmente não é útil para a dinâmica das aulas remotas":
"A internet patrocinada é um ótimo negócio para as operadoras"
SOLANGE CARVALHO
Vice-presidente do Cpers
— Até o momento, a internet patrocinada é um ótimo negócio para as operadoras, mas péssimo para a comunidade escolar. Com 70 mil conexões e um investimento de R$ 8,5 milhões, é o mesmo que pagar R$ 121 por usuário em um plano de internet extremamente limitado, que só acessa um aplicativo.
Limitação de internet pode comprometer aprendizado
Para especialistas em educação ouvidas por GZH, limitar a internet patrocinada apenas para a ferramenta usada para as atividades escolares pode comprometer o aprendizado. Doutora em Educação e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maria Beatriz Luce vê com preocupação esse pequeno índice de adesão.
— Foi feito um convênio com uma plataforma de qualidade, atualizada, mas muito limitada. E, principalmente, que passa a se apropriar de uma série de informações pessoais sobre todos os professores e todos os alunos da nossa rede — pondera a professora.
Maria Beatriz sustenta que a inclusão digital, o acesso a equipamentos e à conexão de qualidade precisam serem vistos como um bem público, assim como é a escola.
— Os professores dão mostras concretas de seus compromissos, de sua garra. Procuram mobilizar recursos tecnológicos e metodológicos didáticos para os quais sequer foram devidamente preparados. Para os quais sequer tinham equipamentos apropriados — destaca.
Pós-doutora em Educação, a ex-reitora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs) Arisa Araújo da Luz avalia que o formato definido pelo governo para as aulas durante a pandemia não é o mais adequado para melhor absorção dos conteúdos.
— Só ter a internet que leva a um único aplicativo e que não terá nem atrativos para que os alunos da rede pública queiram acessar não é suficiente. Se fosse uma internet que todos da casa usassem, que permitisse a interação de toda a família, facilitaria um pouco. Mas mesmo assim não seria o ideal — avalia.