Infectologistas consultados por GaúchaZH receberam com surpresa e preocupação a decisão do Estado de apresentar uma proposta inicial de retorno gradual das aulas nas redes pública e privada. De acordo com a sugestão, o retorno gradual e escalonado das aulas presenciais nas redes pública e privada ocorrerá somente nas regiões que estiverem em bandeira amarela e laranja.
Segundo o infectologista Alexandre Zavascki, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e consultor para assuntos de covid-19 na Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), a sugestão do governo do Estado ocorre no pior momento da pandemia de coronavírus no Rio Grande do Sul e vai contra tudo o que teria sido dito pelo próprio governo, até então.
— Sinceramente, este tipo de conduta me dá a impressão de que o governo do Estado não entendeu o problema da pandemia ou não está mais com a prioridade à vida. São outros interesses no comando das decisões. Ou, realmente, nunca foi verdadeira a posição do Estado ou agora não são mais as mesmas pessoas que estão tomando as decisões — critica Zavascki.
O infectologista André Luiz Machado, também integrante da SRGI, sinaliza que os leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) abertos pelo governo durante a pandemia estão sendo ocupados rapidamente. Para o infectologista, antes de pensar no retorno das aulas, o governo do Estado deveria elaborar um procedimento operacional padrão, englobando escolas públicas e privadas, dando o passo a passo para minimizar o dano na comunidade escolar.
— Retomar todas as atividades agora é temerário. Querem fazer tudo ao mesmo tempo, agora. Estamos no auge da pandemia e fomentando o aumento da circulação de pessoas. A receita é explosiva — alerta Machado.
Ele diz ainda que as colocações de que crianças manifestam pouco a doença e têm baixa transmissibilidade estão relacionadas à situação de distanciamento social.
— Não sabemos como será o comportamento das crianças e dos adultos que assistem os alunos quanto à manutenção ou aumento de casos associados à infecção por coronavírus. É equivocado retornar as aulas neste momento, onde pela primeira vez o Rio Grande do Sul atinge taxas de ocupação de leitos de UTI de mais de 90%. Estamos num momento de alta da pandemia, os números não demonstram estabilidade e nem de queda dos novos casos — aponta Machado.
De acordo com Zavascki, a reabertura das escolas causará um aumento maior da circulação de pessoas nas ruas e estará expondo as crianças à pandemia. Ele afirma ainda que o número baixo de crianças infectadas no Estado é um reflexo da proteção que elas tiveram até agora. Outro ponto lembrado pelo médico é de que vírus passará a circular entre os pequenos e, consequentemente, entre os adultos da comunidade escolar:
— Se não conseguimos controlar os adultos com relação ao distanciamento social, como vamos conter crianças? Estamos falando de uma realidade muito difícil. São salas sempre cheias, com capacidade no limite máximo, principalmente, nas escolas públicas.
Para Zavascki, a reabertura das escolas só deveria ser pensada quando houvesse pouquíssimos casos registrados na comunidade. Esta seria a forma de monitorar o impacto da abertura das instituições nos números da pandemia.
— Com a reabertura neste momento, haverá uma segunda força de progressão da epidemia do Estado — destaca Zavascki.
Governo do Estado responde
Por meio de nota enviada pela Secretaria de Comunicação, o governo do Estado informa que "é preciso serenidade, pois foi apenas um início de diálogo entre o Governo e a Famurs. Os prefeitos irão debater as suas posições dentro de cada uma das 27 associações regionais de municípios e ainda serão realizadas reuniões com órgãos como o Ministério Público e o Tribunal de Contas".
"Se os números relacionados ao coronavírus não apresentarem redução, as datas inicialmente sugeridas deverão ser revistas. Cabe lembrar também que apenas regiões em bandeira amarela ou laranja, ou seja, com risco menos elevado de contágio, seriam autorizadas a retomar as atividades presenciais nas escolas. Além disso, não se trata de uma obrigação, mas apenas uma permissão, mantendo a autonomia para que os prefeitos, dentro da realidade da sua cidade, possam decidir se há condições para o retorno presencial.
Por outro lado, quando ocorrer alguma definição em relação às aulas, o Governo do Estado prevê investimentos para garantir a segurança dos alunos e dos professores, com a compra de equipamentos de proteção individual para alunos e professores da rede estadual, como mais de 9,8 mil termômetros de testa, mais de 328 mil máscaras de uso infantil, mais de 1,9 milhão de máscaras de tamanho infanto-juvenil e mais de 1,3 milhão de máscaras para adultos (alunos e funcionários). No total, o investimento somente em EPIs será de cerca de R$ 15,3 milhões. Somando todo o valor reservado para investimento na rede estadual em aprendizagem, capacitação, equipamentos de proteção e materiais de desinfecção e contratação de professores e profissionais de apoio (serventes e merendeiras) para professores e alunos, o investimento poderá chegar a R$ R$ 270 milhões."