Pe. Pedro Gilberto Gomes
Professor e vice-reitor da Unisinos
Na esfera do Ensino Superior vêm se inserindo os condicionantes da tecnociência, enquanto persevera a busca de estabelecer a imbricação indispensável dessa tecnociência com as chamadas ciências humanas. Vivemos hoje o que se convencionou chamar de sociedade da informação, em que as tecnologias digitais impõem seus sempre atualizados componentes ao pensar, ao viver e ao atuar das pessoas.
Os que nascerem hoje, desde logo manusearão smartphones, iPads etc., enquanto crianças, jovens e adultos já não conseguem viver seus dias sem eles. Tudo é fotografado, gravado, registrado, ao mesmo tempo em que os sites de pesquisa e as redes sociais contaminam a vida da juventude, que não consegue prescindir das tecnologias digitais.
Desenvolvem-se cada vez em maior número projetos das chamadas cidades inteligentes, as smart cities, pois já ultrapassamos a fase dos agora banais elevadores inteligentes. A vida do cidadão vai se organizando em função dessas tecnologias e a configuração social está desenhada em função e a partir do conceito de cidades inteligentes. Por que a referência a isso?
Porque a universidade, uma “cidade de geração do conhecimento e de sua transmissão”, é convocada a se posicionar frente a essa realidade e a avançar nesse sentido. Pois, homologamente à concepção das smart cities, hoje se adianta a ideia dos smart campi: a universidade aplicando tecnologias digitais para conectar, de forma eficaz e acelerada, todas as necessárias relações com a comunidade universitária, isto é, os multiprocessamentos na gestão, o ensino e a pesquisa. Sistemas operacionais em TI para administração e gestão, sinalizações, câmeras, redes online já estão a fazer parte da vida no ambiente das Instituições de Ensino Superior (IES). Enfim, a presença da chamada inteligência artificial.
Deve-se considerar, entretanto, que há os que mantêm reservas quanto à adesão definitiva e integral das instituições à digitalização: alegam que existem realidades essencialmente humanas que não são contempladas pelas tecnologias digitais. Nada substituiria a presença do indivíduo, a participação, tal como tem sido feito até agora. Mencionam, inclusive, o risco da perda da identidade individual e da privacidade das pessoas. Os debatedores sobre esse contraditório perfilam-se entre os mais renomados pensadores contemporâneos.
Com efeito, o projeto de digitalização entranha problemas que devem ser enfrentados pelas IES. Não basta investir maciçamente em tecnologia e no desenvolvimento ou na compra de instrumentos ou aplicativos. É insuficiente pensar as tecnologias digitais apenas como instrumentos mais elaborados para serem usados no fazer pedagógico e científico. Um smart campus é mais do que o mero uso de dispositivos tecnológicos de comunicação e informação. Assim, a infraestrutura de tecnologia deve ser atualizada: enquanto os processos antigos são superados, ou seja, o instrumental deve sair da “idade mecânica” para os compatíveis com a nova realidade. Mas, ao mesmo tempo, deve-se atentar ao fato de a tecnologia não ser neutra. Não se está apenas diante de dispositivos sofisticados, mas de algo que requer um novo modo de pensar e de ser. Um smart campus será fruto da criação de um ambiente sistêmico e complexo em que todas as iniciativas sejam integradas e que reflitam uma nova ambiência para além dos dispositivos tecnológicos.
Pode-se dizer que um campus digital não é fruto de uma universidade inovadora, mas consequência de uma universidade inserida num ambiente de inovação. A inovação não é consequência de uma ação, mas de imersão na própria inovação. Ela conforma a universidade ao mesmo tempo em que é por ela conformada.
Um evento inesperado veio a acelerar o processo de transformação das universidades: a pandemia da covid-19 que trouxe o imperativo isolamento social. As aulas presenciais foram suspensas e as instituições de ensino foram intimadas a imediatamente repensar suas ações pedagógicas, criando-se o processo de ensino-aprendizado “presencial a distância”: aulas passaram a ser ministradas síncronas no ambiente digital. Os campi, por enquanto, estão desertos. Há protocolos severos quanto ao seu uso para pesquisas, experimentos, estágios e aulas práticas. Todas as classes teóricas estão online.
E, quando a pandemia passar, o que será das universidades? Acredito que não voltarão ao estágio anterior, mas, sim, se apropriarão de descobertas e experiências deste tempo para projetar novos modelos pedagógicos. Todavia o fazer da universidade não se restringe à transmissão do conhecimento: mais do que isso, ela é o locus de produção do conhecimento, na qual também, sem dúvida, surgirá a inovação. A conjunção do novo processo pedagógico com reinvenção do modus faciendi da pesquisa será fundamental para a concretização do smart campus.