Segundas e quartas-feiras são os dias em que Laís Tifsa Ramos, 13 anos, senta às 7h30min para ouvir o velho rádio que descansa no quarto da mãe, em uma casa de Candelária, no Vale do Rio Pardo. Do aparelho ecoa a voz de uma professora que, por 10 minutos, ensina um conteúdo aos 2,1 mil alunos da rede municipal. O primeiro episódio foi nesta semana: uma aula de biologia e história sobre epidemias e pandemias. A teoria será trabalhada pelos professores de toda a cidade.
— Eu não ouvia tanto rádio, agora comecei a prestar atenção. É um programa que pedem para todo mundo ouvir pra gente aprender mais — diz a estudante.
O que é o jornalismo de soluções, presente nesta reportagem
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
Em meio à crise de saúde que mantém aulas presenciais suspensas para 1,2 bilhão de alunos no mundo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), a disparidade de acesso à internet aumenta ainda mais a desigualdade entre escolas públicas e privadas. Há, contudo, governos que adotaram saídas para mitigar prejuízos aos mais pobres – a prefeitura de Candelária é um exemplo.
Há consenso entre especialistas de educação que, neste momento, governos precisam oferecer comida aos mais pobres, aulas em todas as plataformas possíveis (incluindo TV, rádio, internet e apostilas impressas), assegurar o acesso à internet e ainda oferecer um site que concentre oferta de conteúdos. Outra solicitação era adiar o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), algo que o governo Jair Bolsonaro fez nesta quarta-feira (20), após a insistência de secretários estaduais de educação, ONGs e pesquisadores.
— Nesses tempos de pandemia, temos um risco enorme de aumentar as desigualdades. Por isso, é muito importante que os gestores mantenham alguma aprendizagem em casa, sabendo que não será da forma mais perfeita. Vários estão usando televisão, plataformas online para quem consegue acessar e cadernos com roteiro de estudo — resume Claudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e uma das maiores especialistas educacionais do país.
Gestores precisam oferecer uma atividade que chegue ao aluno. Isso mantém o vínculo da escola com a família e do professor com o aluno para evitar a evasão
FÁTIMA EHLERT
Coordenadora de educação da Famurs
Mas nem todos os governos mantêm atividades. A Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) analisou 431 prefeituras e mostrou que 68% enviaram atividades na primeira semana após a suspensão das aulas, 25% o fizeram apenas em maio e 7% não enviaram nada e aguardarão a volta às aulas.
— Gestores precisam oferecer uma atividade que chegue ao aluno. Isso mantém o vínculo da escola com a família e do professor com o aluno para evitar a evasão — diz Fátima Ehlert, coordenadora de educação da Famurs.
Em nível nacional, um bom exemplo citado por especialistas é o Maranhão: já em março, o governo estadual oferecia aulas por televisão, rádio e YouTube aos estudantes do Fundamental e Médio e orientava professores a criarem turmas no Google Classroom. O governo maranhense ainda firmou, nesta terça-feira (19), parceria com a Faculdade Estácio para oferecer conteúdos do Enem pela internet.
— Um canal único de informação e provisão de conteúdos é essencial. Isso facilitaria a resposta e não haveria tempo e recurso gastos para as escolas pensarem a mesma coisa. França e Paquistão colocaram um portal único para todas as escolas públicas, e o Paquistão expandiu a conectividade, colocando antenas móveis para garantir acesso com o mínimo de banda necessário. No Brasil, o MEC (Ministério da Educação) poderia colocar TV escola, EBC (Empresa Brasil de Comunicação), Rádio Nacional e outros canais para oferecer conteúdo comum a todos — diz João Marcelo Borges, diretor de estratégia política do Todos pela Educação, uma das maiores ONGs do Brasil na área da educação básica.
Veja, a seguir, o que governos devem oferecer aos alunos de escolas públicas em tempos de pandemia e podem inspirar os que ainda não tomaram atitudes desse tipo:
Entrega de merenda escolar
O governo do Rio Grande do Sul entrega kits de alimentação para as escolas, e algumas prefeituras gaúchas distribuem cestas básicas periodicamente. A prefeitura de São Gabriel, na Fronteira Oeste, foi além e oferece duas marmitas diárias para alunos da Educação Infantil e uma para quem estuda no Fundamental. De máscara, alunos ou familiares buscam as refeições nas escolas.
— Quando suspendemos as aulas, abrimos inscrição para saber quem, dos nossos 6,9 mil estudantes, queria merenda na escola. Hoje, servimos em torno de mil jovens da Educação Infantil e Fundamental. Notamos que 95% de quem busca realmente tem maior necessidade — diz o prefeito de São Gabriel, Rossano Gonçalves (PL).
Aula pela rádio
Governos como Maranhão, Roraima e Goiás oferecem aulas por rádio. O governo estadual gaúcho não divulgou nenhuma iniciativa na plataforma, mas a prefeitura de Candelária começou na última segunda-feira (18) a exibir em duas rádios locais o Momento Educação, um programa de 10 minutos, com dois episódios por semana, narrados por integrantes da direção das escolas municipais. Os assuntos serão trabalhados em tarefas enviadas pelos professores da rede municipal.
— Pegamos temas amplos para que professores consigam inserir em suas aulas. É uma oportunidade de passar conhecimento. Nossa cidade é muito grande, e o veículo que chega mais fácil é o rádio, que é muito democrático. Todo mundo tem um radinho de pilha — diz Danieta Heinen, que trabalha na escola municipal Christiano Affonso Graeff e foi âncora do programa sobre pandemias.
A secretária de Educação de Candelária, Leandra Bitencourt Sartori, diz que o objetivo é chegar a todos. Ela reconhece que um programa de 10 minutos “não é uma aula propriamente dita”, mas afirma que a estratégia é um jeito de conversar com as famílias e de abordar temas transversais importantes.
Aula pela TV
Portugal implementou em abril as aulas diárias pela televisão para mais de 850 mil alunos do primeiro ao nono ano e para crianças de três a seis anos. No Brasil, Maranhão, São Paulo, Acre, Bahia, Goiás, Pernambuco, Pará e Minas Gerais são alguns Estados que usam a telinha. Um dos pioneiros é o Amazonas, que usou a experiência de 13 anos de gravar e exibir aulas para populações ribeirinhas e indígenas em áreas isoladas. No Rio Grande do Sul, a TVE começou nesta semana a exibir aulas, mas apenas conteúdos para o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem).
Aulas pela internet
Vários governos oferecem videoaulas em streaming ou gravadas pelo YouTube e criaram plataformas para dar aulas aos estudantes. Entre os exemplos estão Portugal, Distrito Federal, Goiás, Pernambuco e São Paulo – este, inclusive, chamou youtubers de educação para engajar os jovens. Em Pernambuco, a plataforma Educa-PE transmite aulas ao vivo pela manhã para alunos do Fundamental.
Entrega de apostilas
O governo Eduardo Leite mantém a iniciativa em escolas estaduais, mas especialistas reforçam a necessidade de municípios seguirem com a ação e incluírem estudantes de áreas rurais. Em São Gabriel, dos 6,9 mil alunos de escolas fundamentais municipais, 700 moram na área rural e recebem materiais impressos nas paradas de ônibus. Em zonas distantes, o conteúdo chega em casa – há quem more a 60 km de distância do Centro.
Compra de acesso à internet
Ainda que grande parte da população acesse a internet, 85% das pessoas das classes D e E usam internet só pelo celular. Estados como São Paulo e Rio de Janeiro compraram chips para acesso à internet a preços reduzidos para os alunos. No Rio Grande do Sul, partiu da Assembleia Legislativa a iniciativa de destinar R$ 5,4 milhões do orçamento da Casa para assegurar o acesso aos mais pobres.
Parceria com empresas privadas
Aulas online já eram rotina da Escola Mais, rede de três colégios privados de turno integral da periferia de São Paulo. Com a pandemia, as videoaulas ganharam mais espaço ao longo das manhãs, mas a instituição foi além: firmou parceria com as prefeituras de Salvador (BA), Araripina (PE), Caruaru (PE), Nova Iguaçu (RJ) e Adolfo (SP) para alunos dessas redes municipais também assistirem às aulas ao vivo sem qualquer custo. As classes ocorrem por meio de um site e seguem parâmetros da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o que reduz disparidades regionais.
Cada prefeitura usa como quiser as aulas – segundo a Escola Mais, as cinco cidades cadastraram mais de 1,5 milhão de estudantes. Em Salvador, a estratégia começou na última segunda-feira (18) para 33 mil alunos, de forma complementar, sem avaliação. Em Nova Iguaçu, as videoaulas da Escola Mais são protagonistas – à tarde, os professores municipais, que receberam treinamento digital, tiram dúvidas em lives ou por outras formas de comunicação. Mais de um terço dos 15 mil alunos da cidade acompanha o método, e quem não tem internet ganha atividades de forma impressa.
— Nosso objetivo é minimizar o distanciamento. Temos avaliação diagnóstica, veremos quais serão as fragilidades das turmas na volta. Não podemos esquecer aqueles que não tiveram as oportunidades, mas ao menos estamos minimizando os danos — diz a secretária municipal da Educação de Nova Iguaçu, Maria Virgínia Andrade Rocha.
Treinamento de professores
Em um país no qual laboratórios com internet não são uma realidade, especialistas ressaltam a importância de treinar professores a lidar com a nova realidade. Um bom exemplo é Roque Gonzales, no noroeste do RS. A prefeitura criou um simples formulário que reúne vídeos com dicas para professores darem aulas a distância, atividades práticas a serem recomendadas aos alunos e como trabalhar conteúdos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) em tempos de pandemia. Veja aqui.
Quais ferramentas usar?
O Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) divulga, em sua página, ferramentas e sites para ajudar professores. Para se comunicar com alunos, a entidade sugere Google Meet, Zoom e Samba Tech. Para dar tarefas, estão Google Classrom, Microsoft Teams, Padlet, Goconqr, Classcraft, Classdojo e Fabapp, a Fábrica de Aplicativos.