Em tuíte da tarde deste sábado (7), o presidente Jair Bolsonaro afirmou ter determinado a revogação de uma resolução da Receita Federal que mudava as regras de quem pode se registrar como microempreendedor individual (MEI).
A resolução, publicada na sexta-feira no Diário Oficial da União, provocou grande mobilização de profissionais das áreas atingidas, principalmente ensino e cultura, que previam a inviabilização da atividade de muitos trabalhadores ou uma queda de seus proventos.
Com a mudança promovida pela Receita Federal, diferentes profissões seriam excluídas da possibilidade de ter representação jurídica como MEI. Na lista, estavam astrólogos, cantores, músicos, DJs, VJs, humoristas, contadores de histórias, professores particulares, proprietários de bar com entretenimento, além de instrutores de artes cênicas, de cursos gerenciais, de cursos preparatórios, de idiomas, de informática, de arte e cultura e de música. Como microempresários individuais, trabalhadores dessas áreas, com faturamento anual de até R$ 81 mil, podem emitir nota fiscal, tinham direitos previdenciários e pagavam valores menores para tributos como INSS, ICMS e ISS. Levantamento do Sebrae aponta que um terço dos registrados como MEI atuava na informalidade anteriormente.
Ao longo do sábado, os prejudicados começaram a se insurgir nas redes sociais, e abaixo-assinados passaram a ser organizados. Pouco antes das 17h, Bolsonaro reagiu: "Determinei que seja enviada ao Comitê Gestor do Simples Nacional a proposta de REVOGAÇÃO da resolução que aprova revisão de uma série de atividades do MEI e que resultou na exclusão de algumas atividades do regime", escreveu.
A intervenção do presidente tirou um peso de cima de várias categorias. Pouco antes da intervenção de Bolsonaro, o músico Pedrinho Figueiredo disse a GaúchaZH que a medida do governo "onera barbaramente toda a engrenagem do meio musical". Ele observou que um MEI da área da música é também um empregador: se está produzindo um disco ou um espetáculo, ele contrata uma série de profissionais e serviços. Também como MEI, pode inscrever projetos para concorrer em editais públicos.
— Quando presto um serviço, a nota que eu forneço é a do meu MEI. Se não for assim, o cara que me contrata teria de arcar com todos os custo da relação com uma pessoa física. Ele pagaria mais, e o profissional receberia menos. Toda a engrenagem fica onerada em 31% junto ao INSS — 20% que o contratante paga direto ao INSS, mais 11% que o INSS retém do contratado. Além disso, ainda tem o que pode ser retido pelo Imposto de Renda. Então, qualquer coisa que esteja ocorrendo hoje em cultura vai ter 30% a menos de dinheiro na rua e, se chegar a ter retenção do imposto de renda, vai ter 45% ou 50% a menos de verba na rua.
Outra opção, segundo Pedrinho Figueiredo, seria abrir uma empresa — o que significaria pagar mais impostos e ter de manter um contador — , algo fora do alcance para grande parte dos profissionais da música:
— Está sendo criada uma dificuldade para a profissão artística. Não existe nada que justifique. Isso não é um bem para ninguém. Não vejo nada de bom com isso, só vejo mal.
A resolução, com previsão de entrar em vigor em janeiro, foi assinada por José Barroso Tostes Neto, secretário especial da Receita Federal nomeado em setembro para substituir Marcos Cintra, que deixou o cargo em meio à polêmica sobre a recriação de um novo imposto sobre movimentação financeira, nos moldes da antiga CPMF.
Muitos profissionais viram nas novas regras uma forma de perseguição do governo à classe artística e ao setor do ensino.
— Querem que os artistas se marginalizem, que nosso trabalho seja totalmente informal, como se o nosso trabalho não fosse considerado um trabalho. Querem inviabilizar a atividade. É uma crueldade mesmo, é desvalorizar o trabalho dos artistas — criticou Guadalupe Rausch, que oferece cursos de dança e desenho como MEI.
Segundo Guadalupe, empresas e instituições que contratam seus serviços como instrutora de arte exigem nota fiscal. Com a medida do governo, profissionais como ela não teriam mais como oferecer as notas e não poderiam ser contratados.
— As instituições não poderiam mais chamar — disse.
Professora aposentada da UFRGS, Susana Rangel Vieira da Cunha tornou-se MEI para oferecer serviços como instrutora de arte a instituições de ensino. Ao saber da resolução da Receita Federal, chegou à conclusão de que a atividade poderia ser inviabilizada.
— Para as empresas e instituições, é muito melhor pagar como MEI. Tem menos taxação e menos burocracia. Elas sempre preferem pagar como MEI. A resolução (que Bolsonaro solicitou que seja revogada) deixa mais burocrático e mais caro contratar o profissional. A Rede Marista não vai me chamar se eu não emitir uma nota fiscal, não é? Ao mesmo tempo, não tenho um faturamento que permita abrir uma empresa. Como é que vou pagar as despesas mensais de uma empresa se o meu trabalho é eventual? A gente é MEI justamente porque os trabalhos são eventuais. Não sei o que ganham com essa medida. É maldade — disse.