A Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP) decidiu cancelar uma prova de seleção para um curso de especialização com questões que diziam que o ex-presidente Lula é um preso político e que o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, foi um golpe.
A medida foi tomada após a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) questionar o conteúdo do exame em discurso na Assembleia Legislativa de São Paulo. A prova era destinada a escolher candidatos que fariam um curso a distância de especialização em saúde pública.
O impeachment foi citado em pergunta com a seguinte formulação:
"A saída de Dilma Rousseff da Presidência da República se deu por meio de: a) desvios orçamentários; b) greves dos sindicatos; c) golpe institucional; d) denúncias de corrupção; e) exigência do Congresso Nacional". A alternativa apontada como correta era "golpe institucional".
Outra pergunta citada pela deputada dizia: "Dentre as medidas recentes dos governos após o golpe de 2016, há uma que limita as ações públicas" e pedia para o aluno apontar um tema que vem sendo pautado pela visão conservadora. A resposta correta era ideologia de gênero.
Lula, por sua vez, era a resposta correta à pergunta sobre "aquele que está sendo considerado mundialmente um prisioneiro político".
Em discurso na quarta-feira (30) na Assembleia Legislativa, Janaina afirmou que recebeu denúncias de candidatos sobre o exame, que classificou como nulo. Disse ainda que os responsáveis deveriam responder por improbidade administrativa.
— Nós estamos falando de um processo seletivo para saúde pública em que nenhuma das perguntas diz respeito a saúde pública — declarou.
— Todas as perguntas trazem como alternativa aguardada como correta uma linha ideológica. Não estou sequer criticando essa linha ideológica, estou dizendo que numa universidade pública não se pode impor e, pior, cobrar como critério de aprovação nenhuma linha ideológica.
A deputada elencou ainda entre as questões que considerava de viés ideológico as que abordavam temas como neofascismo, "a obra feminista O Segundo Sexo", de Simone de Beauvoir, a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio, a reforma da Previdência e quem foi um "importante líder político brasileiro, secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro" (resposta: Luiz Carlos Prestes).
O diretor da Faculdade de Saúde Pública, Oswaldo Tanaka, confirmou à reportagem o teor das perguntas citadas pela deputada.
Segundo ele, havia 1,9 mil candidatos para 80 vagas, e o objetivo era verificar se eles estavam atualizados sobre temas de conhecimentos gerais. Ele afirmou que, de fato, não havia questões sobre saúde pública, porque o curso era aberto a pessoas também de outras formações de nível superior.
O edital previa que, após essa primeira avaliação, os 160 aprovados passariam por uma segunda etapa, em que seriam avaliados o currículo e uma carta do candidato. Desses, 80 foram selecionados. Os nomes já haviam sido divulgados quando a faculdade decidiu cancelar a prova. De acordo com o diretor, a medida foi tomada após avaliação de que o resultado "não saiu bom".
— A interpretação que foi colocada inclusive pela deputada gerou uma inquietude sobre a lisura, e achamos que não vale a pena manter a prova — afirmou.
Desde a eleição de 2018, apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL) têm apontado um suposto viés de esquerda em universidades públicas, negado por acadêmicos como o reitor da USP, Vahan Agopyan.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em maio, ele afirmou que a universidade tem pessoas com diferentes ideias que debatem e muitas vezes mudam seu ponto de vista.
— Falar em doutrinação é, primeiro, imaginar que nossos alunos não têm discernimento, o que não é verdade. E, em segundo, que os professores são de uma única corrente de pensamento, o que também não é verdade.