"Chorei o final de semana todo. Desde que entrei nessa escola, descobri que os direitos dos trabalhadores não existem. Conheço professores estaduais e municipais. Nem nessa bagunça que são os órgãos públicos os funcionários ficam sem previsão de recebimento de salário! Isso é de enlouquecer qualquer ser humano! Eu estou ficando deprimida! Estou ficando doente!"
O desabafo é de uma professora do Colégio Metodista Americano, um dos mais antigos e tradicionais de Porto Alegre, fundado há 133 anos, que tem hoje 1,2 mil alunos e 90 docentes. Com dois anos de repetidos atrasos no pagamento de salários e de outros benefícios, como 13º e adicional de férias, além de não depositar mensalmente o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) desde 2016, a instituição vem amargando um abalo em sua imagem e desgaste na relação com professores, funcionários, pais e alunos. Na quinta-feira passada (27), os docentes promoveram uma paralisação das atividades. Famílias já estão em busca de outras escolas para matricularem seus filhos para o próximo ano. A direção da Rede Metodista não quis se manifestar sobre a crise.
Chorei o final de semana todo. Desde que entrei nessa escola, descobri que os direitos dos trabalhadores não existem. Conheço professores estaduais e municipais. Nem nessa bagunça que são os órgãos públicos os funcionários ficam sem previsão de recebimento de salário! Isso é de enlouquecer qualquer ser humano! Eu estou ficando deprimida! Estou ficando doente!
PROFESSORA
Colégio Americano
As dificuldades enfrentadas pelos colaboradores do Americano só vieram a público quando a situação se agravou fortemente. No começo, os atrasos eram de poucos dias. Na virada de 2018 para 2019, o problema se intensificou e, pelos meses seguintes, de acordo com Margot Johanna Capela Andras, 58 anos, professora de química da escola e uma das diretoras do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do RS (Sinpro/RS), a angústia vem sendo crescente. Em março, o atraso dos salários mais altos foi de até 10 dias, em abril, de 12 dias, e em maio, de 17 dias. Os pagamentos costumam começar pelos contracheques mais baixos, o que deixa a porção superior da folha sem qualquer tostão por mais tempo. Via de regra, os vencimentos de cada mês são quitados no quinto dia útil do mês subsequente. No momento, o Americano ainda não pagou todos os salários relativos a maio — e as remunerações referentes a junho deveriam ser liberadas na próxima sexta-feira (5). Já existem ações tramitando na Justiça devido ao não pagamento de multas pelos dias de atraso e de verbas rescisórias de professores que foram desligados da instituição.
— O Sinpro pede que seja dado um pouco para todos, para ninguém ficar a zero, mas o colégio não faz isso. Na folha de maio, pagaram integralmente para quem ganha até R$ 1.855. Para quase todos, pagaram 30%, e para cinco, incluindo eu e outro membro do sindicato, nada. Disseram que houve um erro, que seria corrigido na semana passada, mas ainda não foi — afirma Margot.
Relatos de dificuldades enfrentadas pelos professores
É um misto de indignação e tristeza, parece que está todo mundo no limite e se sentindo desrespeitado. Estou cansada, muitos estão adoecidos. É difícil manter qualidade num clima desses. Mas a gente faz das tripas coração, os alunos não têm culpa, e muitos professores só têm esse emprego. O grande problema é essa informação que nunca é verdadeira, nada transparente, truncada. Parece que tratam a gente como criança, o tempo inteiro.
MARGOT CAPELA ANDRAS
Professora do Colégio Americano e diretora do Sinpro/RS
Os relatos dos docentes são dramáticos, como o que abre esta reportagem. Uma professora precisou da ajuda dos seus pais para pagar o aluguel e a prestação do carro, e uma amiga emprestou o cartão de crédito para que conseguisse abastecer o veículo. Outra garante as compras do supermercado dando aulas particulares, e há quem não esteja nem conseguindo alimentar os filhos pequenos, pedindo socorro a parentes. "Chorei muito ontem e hoje estou muito triste e chorosa, pois parece que tiraram meu brilho. Sei que vai passar. Notícias do nosso salário? Ando tão triste aqui e tão ressabiada que não me animo a perguntar", desabafou uma colega a Margot, que é uma referência aos demais por estar ligada ao sindicato. "Show de horrores. Podem depositar na sexta ainda?! Que humilhação. Chorei muito", falou outra. "Misericórdia. Cheguei ao limite", enfureceu-se um terceiro. Os professores não são identificados por temerem represálias. Margot resume os sentimentos predominantes:
— É um misto de indignação e tristeza, parece que está todo mundo no limite e se sentindo desrespeitado. Fico sendo bombardeada (com perguntas) sobre o salário diariamente, pois a escola diz que sempre pode acontecer. Desde a semana passada, não há mais notícia ou respostas a mensagens ou telefonemas. Estou cansada, muitos estão adoecidos. É difícil manter qualidade num clima desses. Mas a gente faz das tripas coração, os alunos não têm culpa, e muitos professores só têm esse emprego. O grande problema é essa informação que nunca é verdadeira, nada transparente, truncada. Essa sensação de que não tem problema nenhum e, ao mesmo tempo, o problema é enorme. Parece que tratam a gente como criança, o tempo inteiro.
Entendemos a paralisação dos professores. Se eles não pararem, a escola não vai entender que ninguém está de brincadeira. O colégio não tem interesse de conversa. Sou ex-aluna, estudei lá a vida inteira, tenho amor pela escola, mas nesta semana estou indo olhar outra para o ano que vem. Faço isso triste. Queremos aquele lugar, nossos filhos são felizes lá.
MÃE DE ALUNO
Colégio Americano
Há descrições de outras dificuldades da escola, que estariam afetando a preparação de aulas e até mesmo das refeições oferecidas aos estudantes. Docentes afirmam terem utilizado as próprias impressoras, em casa, para imprimir cópias das provas a serem distribuídas às turmas. Marilice Trentini de Oliveira, diretora pedagógica do Colégio Americano, disse que as informações não procedem (leia mais nesta entrevista). Uma professora indigna-se:
— Onde está indo o dinheiro que entra? Eu tenho pena e vergonha alheia daqueles pais que estão confiando na escola. Há pais que fazem rifa, que doam!!! Há pais que doam! Eu fico impressionada!
Ações para arrecadar dinheiro promovidas pelos pais
Pais reclamam ter de arcar com altas mensalidades (nas séries finais do Ensino Fundamental, paga-se mais de R$ 1,5 mil) e não entendem como os professores não recebem em dia. O colégio não informou sobre o índice de inadimplência. Familiares, consternados, vêm formando grupos de discussão e organizando ações com o objetivo de angariar fundos, como uma rifa que arrecadou R$ 25 mil, ainda não repassados ao colégio e que devem custear a troca da grama sintética do campo de futebol. Espaços para publicidade estão sendo negociados nas paredes do ginásio esportivo.
— Entendemos a paralisação dos professores. Se eles não pararem, a escola não vai entender que ninguém está de brincadeira — assegura a mãe de uma criança do Ensino Fundamental.
Eu dou meu sangue por essa escola. É um marco de Porto Alegre que não pode ser abandonado assim. O colégio está doente. E o que a gente faz? Em vez de ajudar, desiste? É mais fácil bater do que tentar ajudar. Se não está feliz, larga o barco.
PROFESSOR
Colégio Americano
Ela reclama da falta de comunicação do Americano com as famílias e conta que, em um grupo de WhatsApp com pais representantes de turma e membros da direção, não é possível postar nada, apenas receber informações dos administradores.
— O colégio não tem interesse de conversa. Falta um diálogo mais aberto, está todo mundo disposto a ajudar. Sou ex-aluna, estudei lá a vida inteira, tenho amor pela escola, mas nesta semana estou indo olhar outra para o ano que vem. Faço isso triste. Queremos aquele lugar, nossos filhos são felizes lá, é muito mais do que só o ensino — acrescenta a mãe.
Na sexta-feira (28), um dia após a paralisação, alunos se perfilaram no corredor, junto à porta da sala dos professores, e aplaudiram os docentes que saíam para o início do turno. Pais enviaram mensagens de apoio que emocionaram a equipe. Mas há vozes dissidentes dentro do prédio centenário do bairro Rio Branco. Um professor, que também pediu para ter sua identidade preservada, reclama dos colegas que estão "falando mal" do colégio:
— Eu dou meu sangue por essa escola. É um marco de Porto Alegre que não pode ser abandonado assim. O colégio está doente. E o que a gente faz? Em vez de ajudar, desiste? É mais fácil bater do que tentar ajudar. Se não está feliz, larga o barco.
Rede enviou somente uma nota de esclarecimento
Se o colégio está tomando esse tipo de ações, é porque não restou alternativa. A prioridade é sempre pagar os salários. Se houvesse dinheiro em caixa, os salários estariam sendo pagos. É muito triste, mas isso demonstra também que o nosso país ainda está se recuperando de uma crise econômica, e o setor educacional não está alheio.
BRUNO EIZERIK
Presidente do Sinepe/RS
Presidente do Sindicato do Ensino Privado (Sinepe/RS), Bruno Eizerik lastima a situação, ressaltando que o Sinepe não tem qualquer ingerência sobre os estabelecimentos da rede. A partir das informações que chegam até o sindicato, Eizerik afirma que a gravidade do cenário do Americano é um caso isolado no Estado, comparável apenas ao da Aelbra, mantenedora da Rede Ulbra de Educação.
— Se o colégio está tomando esse tipo de ações, é porque não restou alternativa. A prioridade é sempre pagar os salários. Se houvesse dinheiro em caixa, os salários estariam sendo pagos. É muito triste, mas isso demonstra também que o nosso país ainda está se recuperando de uma crise econômica, e o setor educacional não está alheio. Algumas instituições sofrem mais, outras menos. Esperamos que eles possam equacionar essas questões todas. Estamos torcendo para que aconteça — destaca o presidente.
A educação metodista tem realizado intensos esforços na regularização do pagamento de salários e compartilha sua expectativa para mudanças positivas nesse cenário em breve. Independentemente de qualquer situação de dificuldade passageira, o Instituto Metodista de Educação e Cultura e seu corpo docente, discente e administrativo sabem o valor que a instituição constrói e possui na sociedade de Porto Alegre.
COMUNICADO DA REDE METODISTA
GaúchaZH solicitou entrevista com a direção do Colégio Americano para pedir explicações sobre todos os pontos abordados nesta reportagem. De acordo com a assessoria de imprensa, tudo que se refere à crise financeira é tratado pela direção da Rede Metodista, em São Paulo. A diretora Marilice, que atua na Capital, limitou-se a comentar temas pedagógicos e administrativos (leia aqui a íntegra da entrevista). A direção central da rede apenas enviou uma nota de esclarecimento que já havia sido divulgada na semana passada. Diz o texto: "O Instituto Metodista de Educação e Cultura, entidade mantenedora do Colégio Metodista Americano, vem por meio deste esclarecer que os salários dos docentes e administrativos estão integralmente em dia, exceto os vencidos em 7 de junho, que estão sendo regularizados paulatinamente. Com um ambiente democrático e plural, o Instituto Metodista de Educação e Cultura tem mantido diálogo constante com professores, alunos, pais de alunos e sindicatos em transparência sobre o momento que as instituições de educação estão vivenciando. A educação metodista tem realizado intensos esforços na regularização do pagamento de salários e compartilha sua expectativa para mudanças positivas nesse cenário em breve. Independentemente de qualquer situação de dificuldade passageira, o Instituto Metodista de Educação e Cultura e seu corpo docente, discente e administrativo sabem o valor que a instituição constrói e possui na sociedade de Porto Alegre. Continua, dessa forma, prezando pelos valores metodistas de confessionalidade, como também pela qualidade no ensino, demonstrado nos resultados positivos que se desenham para o cenário futuro como, por exemplo, a inovação dos projetos pedagógicos na educação básica".