A conta de energia elétrica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) referente a abril venceu na sexta-feira passada (10), mas a instituição não conseguiu pagá-la. Faltou dinheiro.
O valor total das faturas era de R$ 1,99 milhão, mas a instituição só conseguiu pagar R$ 154 mil. Ficou devendo R$ 1,84 milhão. Segundo o pró-reitor de Planejamento e Administração, o economista Hélio Henkin, não há previsão de quando será possível colocar as contas em dia, porque a universidade depende da "liberação de novos limites para empenho" por parte do governo federal.
O atraso no pagamento é revelador das dificuldades financeiras que a universidade vem enfrentando – e em um momento no qual ainda nem começou a sentir os efeitos do bloqueio de 30% do orçamento de 2019, anunciado recentemente pelo Ministério da Educação (MEC).
A UFRGS informou já ter vivido duas situações, desde 2016, em que atrasou o pagamento da luz por um curto período."Esperamos compreensão da CEEE diante das sérias dificuldades enfrentadas, e considerando que desta vez o quadro macroeconômico e fiscal parece mais desafiado do que das outras vezes", informou a universidade. GaúchaZH questionou a CEEE sobre um eventual risco para o fornecimento de eletricidade à UFRGS, mas a empresa informou que não dá informação sobre clientes específicos.
— Já cortamos eventuais gorduras, depois, viemos cortando na carne e, agora, estamos chegando no osso — resume o pró-reitor Hélio Henkin.
Questionado se há alguma previsão de liberação de dinheiro para a UFRGS, o Ministério da Educação respondeu que "está aberto ao diálogo com todas as instituições de ensino para juntos buscarem o melhor caminho para o fortalecimento do ensino no país".
A origem do problema remete a 2017, quando houve uma queda expressiva dos recursos destinados ao custeio – as despesas em bens e serviços para manter a instituição funcionando. Da ordem de R$ 184,5 milhões em 2016, a verba caiu para R$ 166,8 milhões no orçamento do ano seguinte, uma perda de R$ 18 milhões. Em 2018 e 2019, manteve-se nesse patamar mais baixo: R$ 166 milhões.
Se os cortes deste ano se confirmarem, porém, o dinheiro disponível não chegará nem perto dessa previsão. Ficará em R$ 116 milhões.
Ao mesmo tempo em que os repasses do governo federal foram minguando, as despesas cresceram, em parte por causa da inflação. O custo anual com energia elétrica, por exemplo, saltou de R$ 18,4 milhões em 2015 para R$ 23,7 milhões em 2018. Neste ano, deve ficar em torno de R$ 25 milhões.
Já cortamos eventuais gorduras, depois, viemos cortando na carne e, agora, estamos chegando no osso.
HÉLIO HENKIN
Pró-reitor de planejamento e administração da UFRGS
Com orçamentos em um patamar aquém do necessário ano após ano, a UFRGS fez vários ajustes para reduzir gastos, desde campanhas internas para economizar energia até o corte de 25% dos trabalhadores terceirizados, como vigilantes e pessoal de limpeza. Pagos com recursos de custeio, esses profissionais eram 2.255 em 2015 e passaram a 1.685 no ano passado. Também foi necessário represar investimentos em obras, em reformas de prédios e em compras de equipamentos para laboratórios.
— Fizemos cortes, mas procuramos preservar as atividades finalísticas da universidade. Por exemplo: reduzimos as despesas de transporte, mas mantivemos as saídas de campo para aulas de agronomia, porque, sem ir ao campo, o aluno não tem ensino de qualidade. Cortamos o que não era inadiável ou emergencial. Mas o que não é emergencial hoje pode se tornar emergencial amanhã — afirma o pró-reitor.
Empurra nas contas vira bola de neve
Uma das estratégias que a UFRGS passou a adotar foi, ao final de cada ano, empurrar para o início do ano seguinte o pagamento de despesas para as quais faltou dinheiro, usando para saldar a dívida o orçamento subsequente. O problema dessa estratégia é que todo ano aumenta o valor rolado para o exercício seguinte. Essa bola de neve contribuiu para a universidade não conseguir arcar com a fatura da CEEE que vencia na semana passada.
Segundo o pró-reitor, outras duas vezes, desde 2016, a instituição precisou atrasar os pagamentos à companhia de energia, mas em ambos os casos por pouco tempo. Hélio Henkin diz esperar a compreensão da CEEE diante "das sérias dificuldades enfrentadas" este ano.
Dos R$ 166 milhões que estavam gravados no orçamento, o governo bloqueou 30%. Outros 30% ainda não tiveram liberação. No quinto mês do ano, a UFRGS teve autorização para gastar apenas 40% da sua verba anual, sendo que deveria bancar com esse dinheiro também gastos pendentes do ano passado. Foi por isso que faltou dinheiro para pagar a luz.
— Abril é um terço do ano, representa 33% do orçamento gasto. Mas também já tem despesas de maio sendo pagas, mais as do ano passado. Não está cabendo na conta e estamos sem poder pagar algumas coisas neste mês. Informamos gentilmente ao fornecedor que não podemos pagar. Mas incide multa sobre esse atraso na energia elétrica, multa sobre um valor que é um dos principais itens de despesa da UFRGS — lamenta o pró-reitor.
Segundo Henkin, a universidade por pouco não esteve inadimplente com a CEEE também em novembro e dezembro passados – foi salva por uma transferência de créditos de outras universidades. Ele insiste que essas dificuldades todas são vividas antes de haver qualquer impacto dos bloqueios anunciados pelo MEC. Embora a universidade venha fazendo ajustes para gastar o mínimo, estima que os 70% do orçamento com que pode contar permitem manter a normalidade até agosto. Depois disso, e se os bloqueios forem confirmados, a situação ficaria caótica.
— A situação de custeio da UFRGS é bem difícil, mesmo sem bloqueio. Se confirmar o bloqueio, é calamitosa. É evidente que não vamos ter condição, vai ser situação de economia de guerra, com suspensão de algumas atividades. Mas é preciso certo cuidado, porque o governo esclareceu que bloqueio não significa anulação do crédito orçamentário, disse que é temporário, que é até setembro. Vai acontecer esse bloqueio? Contamos que não. Rezamos que seja revertido — diz o pró-reitor.
Bloqueio de verbas nas federais
O orçamento das universidades federais é dividido em quatro grandes áreas: pessoal, benefícios, custeio e capital. Na semana passada, ao sustentar que o bloqueio de recursos das instituições equivalia a apenas 3,5% do orçamento de 2019, o ministro Abraham Weintraub usava como referência a soma dessas quatro rubricas. Os reitores, no entanto, rejeitam essa conta. Excluem os gastos com pessoal e benefícios, sinalizando que o bloqueio foi de mais de 30% nas verbas de custeio e capital.
Eles têm uma razão para isso. O dinheiro de pessoal nem passa pela universidade. Vai direto para servidores da ativa, aposentados e pensionistas. No caso da UFRGS, a despesa será de R$ 1,6 bilhão neste ano (dois terços para servidores da ativa). A rubrica benefícios também engloba auxílios aos servidores, como auxílio-transporte, auxílio-alimentação, assistência médica e auxílio-creche.
Os valores com os quais as reitorias podem efetivamente contar para administrar as instituições são uma pálida fração do total. No custeio (despesas para garantir a manutenção, o funcionamento e a operação da universidade), a UFRGS teve orçados R$ 166 milhões, com um bloqueio de 30% desse valor (resultando em R$ 116 milhões). A verba de capital (que abrange ativos permanentes, como novas obras e equipamentos) estava fixada em R$ 8,97 milhões, mas foi bloqueada em 65% e baixou para R 3,1 milhões.
Somados, capital e custeio representam R$ 175 milhões (sem os bloqueios anunciados). Para manter o mesmo nível das despesas de 2016, último ano antes da redução de recursos, o orçamento deveria estar próximo dos R$ 215 milhões em 2019.
Nos últimos anos, os gastos com pessoal continuaram a crescer, enquanto os valores de custeio e capital despencaram. Isso significa que, nominalmente, universidades como a UFRGS têm orçamentos gordos, mas na prática há cada vez menos dinheiro para tocar as atividades do dia a dia.
— Tivemos de fazer remanejamento de verbas de capital para custeio, ou não teríamos com pagar as contas. Estamos sob a égide da Emenda Constitucional 95, do teto de gastos, que determina que o governo federal só pode aumentar despesas no limite do IPCA. Isso significa que, na medida que as despesas de pessoal sobem, as outras são cortadas — observa o pró-reitor Hélio Henkin.