Em recente sessão na Câmara dos Deputados, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, sugeriu que o Brasil gasta muito em educação, em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), atribuindo isso "a um aumento nas universidades federais":
— A educação básica ficou de lado, o ensino profissional ficou largado e os demais gastos, que são repasses, também aumentaram pouco.
De fato, o Brasil gasta em educação um percentual ligeiramente maior do PIB — cerca de 6% — do que a média dos países ricos. No entanto, isso acontece porque o PIB per capita brasileiro é baixo. Ou seja, precisamos fazer um esforço maior de investimento para, mesmo assim, ficar aquém do que outros países realizam.
Dentro dos gastos totais em educação, no entanto, o investimento em Ensino Superior representa uma fatia modesta. O governo tem insistido na afirmação de que o Ministério da Educação (MEC) gasta mais com as universidades do que com a educação básica, o que é verdadeiro, mas isso deixa de lado o fato de que o grosso do investimento no ensino primário e secundário é feito por Estados e municípios, com quem está essa responsabilidade. No cômputo geral, segundo o relatório Education at a Glance (de 2018, a partir da análise de dados dos anos de 2015 e 2016), o investimento nacional no Ensino Superior corresponde a 1% do PIB.
— E a maior parte do financiamento público está indo para o que é bom. Afinal, o que o MEC financia? Financia as universidades federais, que são melhores do que as particulares, e financia as bolsas de pós-graduação de todos os setores, que formam gente mais qualificada. É um gasto mais qualificado — prega Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação.
Gastos dentro do orçamento: missão quase impossível
De fato, o governo Jair Bolsonaro conseguiu transformar a sisuda questão do financiamento do Ensino Superior em um tema pop, motivo de acaloradas discussões nas redes sociais. A proeza deve-se em grande parte a Weintraub, que em poucos dias no cargo anunciou cortes em três universidades que supostamente promoviam "balbúrdia", depois mudou de ideia e bloqueou R$ 2 bilhões do orçamento de todas as instituições federais, ameaçou a continuidade dos cursos de Filosofia e Sociologia, cortou a concessão de bolsas de pesquisa na pós-graduação e ainda sugeriu que recursos destinados à educação superior seriam melhor aplicados no nível básico.
Existe um problema real e complicado por trás de tudo isso: está cada vez mais difícil fazer os investimentos que as universidades demandam caberem dentro do orçamento federal — Weintraub inclusive condicionou a liberação das verbas bloqueadas nas universidades à aprovação do projeto de reforma da Previdência que tramita no Congresso, ainda que ela só vá gerar impacto nos cofres públicos a médio e longo prazos.
Nos últimos anos, o financiamento do Ensino Superior se tornou um problema mais complicado não só por causa do degringolar das contas públicas, mas também como decorrência de uma iniciativa dos governos Lula (2003-2010) e Dilma Rousseff (2011-2016) quando houve expressiva expansão na oferta de vagas. Isso abriu as portas da universidade a milhões de brasileiros e, consequentemente, significou gastos mais pesados para o Ministério da Educação (MEC).
Nas instituições federais, havia pouco mais de 500 mil estudantes de graduação em 2003. Em 2017, o contingente passava de 1,3 milhão. A rede privada acompanhou o movimento, pulando de 3,9 milhões de graduandos, em 2007, para 6,2 milhões, em 2017 _ período de apenas uma década. Também há robusto investimento governamental aí, porque essa expansão ocorreu graças ao financiamento público oferecido via Programa Universidade para Todos (ProUni) e Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Quase metade dos matriculados em instituições particulares conta com alguma bolsa ou financiamento estudantil.
Como são os gastos com o Ensino Superior em nações desenvolvidas
Apesar de a universidade federal ter crescido e do discurso de que o governo gasta demais no setor, o Brasil ainda é um país com presença tímida do Ensino Superior público, quando se faz a comparação com a maior parte das nações desenvolvidas. Conforme dados do Censo da Educação Superior de 2017, só 24,7% dos universitários brasileiros estavam matriculados em uma instituição governamental (somando federais, estaduais e municipais). A proporção é bem mais expressiva em países como Eslováquia (95%), Austrália (94%), Polônia (93%), Hungria (90%), Suécia (87%), Noruega (84%) e Estados Unidos (67%).
— O investimento que o governo brasileiro faz por aluno no Ensino Superior é baixíssimo, quando se considera que quase 80% estão na rede privada e não vai muito recurso para esses daí. E quando se olha só para as públicas, ainda é um investimento mais baixo do que o de países ricos — afirma Sérgio Franco, coordenador do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e ex-presidente da Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior.
O custo por aluno do Ensino Superior, no Brasil, é menor do que o de vários países desenvolvidos, como os Estados Unidos, embora estatísticas apontem que supere o de alguns outros, como Espanha e Portugal, por exemplo. Especialistas da área entendem que deve haver cautela na comparação, porque há diferenças de rede, estrutura, gasto com pesquisa e perfil de atendimento.
Outro fator que pode distorcer os cálculos é o fato de, no Brasil, o pagamento de aposentados e pensionistas, que deveria estar em uma rubrica previdenciária, ser somado ao orçamento das universidade federais. No caso da UFRGS, por exemplo, um terço da folha de pagamento se refere a servidores inativos.
Diferenças entre gastos na Educação Básica e no Ensino Superior
Outra questão embutida na apresentação de Weintraub na Câmara diz respeito à diferença de gastos por aluno no Ensino Superior e na Educação Básica — e a uma aparente intenção de transferir recursos do primeiro para o segundo como forma de diminuir a diferença.
Conforme dados de 2015, o custo do estudante universitário no Brasil era 3,5 vezes o de um aluno dos níveis mais elementares. O Ensino Superior, ressaltam em coro os especialistas, é mesmo mais caro e envolve mais despesa por estudante. Comparada com outros países, a proporção do gasto brasileiro é mais elevada. Ainda assim, estudiosos da área entendem que o problema é mais um gasto baixo na Educação Básica de que um gasto alto na superior — e mostram reserva diante da ideia de que tirar de uma área para outra vá trazer vantagem.
— Não podemos esquecer a ordem de grandeza das coisas. Se pegarmos universidades federais e hospitais, estamos falando de aproximadamente 0,7% do PIB nos valores de 2018. Vamos combinar que não é uma coisa astronômica, perto de outros gastos. De cada R$ 100 que se investe em educação no Brasil, R$ 18 vão para a educação superior. Desses R$ 18, R$ 14 ou R$ 15 são gastos obrigatórios: pessoal, encargos, aposentadorias. Sobra uns R$ 3 para o funcionamento das instituições. Será que é daí que vamos tirar dinheiro para a educação básica? Claro que não — afirma o doutor em educação Gregório Grisa.
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Por que fizemos esta matéria?
Declarações do presidente Jair Bolsonaro e de Abraham Weintraub, ministro da Educação, levantaram a discussão em torno dos gastos com educação. A fim de trazer dados necessários e relevantes a esta discussão, o Comitê Editorial do Grupo RBS sugeriu à Redação Integrada uma reportagem profunda sobre financiamento da Educação Superior no Brasil, comparando-o com outros países.
Como apuramos esta matéria?
Um dos principais investimentos foi buscar estatísticas que revelassem a situação do financiamento da educação do Brasil e também que permitissem compará-la com a de outros países. Foram consultados dados e notas técnicas do Ministério da Educação, além do relatório Education at a Glance 2018, um alentado estudo comparativo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). Ainda foram entrevistados professores e especialistas em Educação que têm se dedicado ao tema e que contemplam diferentes pontos de vista sobre a questão.