Num ímpeto ao estilo "a tenteada é livre", a estudante Amanda Karsburg Fontella, 22 anos, acessou o site do Sisu um dia antes de se encerrarem as inscrições, para ver como estava sua classificação na concorrência por uma vaga em Medicina na UFRGS ou na Universidade Federal de Ciências da Saúde Porto Alegre (UFCSPA). Estaria classificada para ambas. Então, decidiu bisbilhotar as notas das principais universidades do país.
Em um cálculo rápido, viu que teria chances de ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e anunciou à família:" Olha, acho que posso passar na USP". A mãe sugeriu que, diante dessa desconfiança, mantivesse a opção pela instituição paulista "para ver no que dava". Bingo! Ao virar a meia-noite daquela quinta para sexta-feira, quando o Sisu fechava os resultados, Amanda estava na seleta lista de oito classificados pela cota de estudante de escola pública para o curso mais concorrido da USP. Ficou em sexto lugar nesta cota.
— Sempre foquei nas faculdades do Rio Grande do Sul, porque, para mim, USP era um sonho muito distante. Imagina, eu me criei em Bagé. Não pensava em algo além de Porto Alegre — diz a caloura.
Na última segunda-feira, Amanda foi à capital paulista matricular-se na sua futura escola. De São Paulo, conhece muito pouco. Esteve por lá uma única vez anos atrás em uma competição de xadrez. Ela é jogadora da modalidade. Foi com a ajuda de uma bolsa para praticantes do jogo de tabuleiro que conseguiu se manter no primeiro ano de cursinho que fez em Santa Maria — foram três só de preparação na cidade da Região Central, onde também trabalhou em cursinhos em troca de bolsa de estudo. Nas férias em Bagé, fazia bicos de garçonete. Em 2017, a estudante seguiu para Passo Fundo, onde o namorado concluía o último ano de Medicina. Na cidade, seguia um dia a dia de aulas no cursinho pela manhã e à tarde e horários regulares de estudo em casa à noite.
— Mantive uma rotina pesada, mas organizada. Não era aquele tipo de pessoa que nunca saía de casa. Olhando meu histórico de notas, dos outros anos, sabia que, neste ano, eu passaria em algum lugar — conta.
A mudança para São Paulo já começou a ser organizada. Amanda está à procura de apartamento, de preferência perto de onde vai estudar. Por enquanto, prefere não se preocupar com distâncias, saudade, estilo de vida em uma megalópole. Vem dando um passo de cada vez. Primeiro foi se sair bem no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), depois foi aumentar seu escore e, por fim, garantir uma vaga no curso que pretendia.
A Medicina, aliás, foi uma escolha consolidada somente no Ensino Médio, concluído na Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Carlos Antônio Kluwe, em Bagé. Antes disso, a estudante havia cogitado seguir diversas carreiras, do Direito à Fisioterapia.
— Sempre fui muito aberta (a pensar em outras profissões), mas acho que a Medicina reúne tudo o que eu gosto. Sei que a gente pode ajudar as pessoas de formas diferentes, em várias áreas, mas eu queria ajudar pela Medicina — diz.
Essa foi a primeira vez que a USP ofereceu vagas para o curso de Medicina pelo Sisu, que utiliza notas do Enem e um sistema de cotas. Para estudantes de escola pública, havia 25 vagas, mas, por conta da exigência, nem todas foram preenchidas. A USP determina que, para concorrer a uma vaga nessa graduação, o candidato precisa ter feito 700 pontos em cada uma das provas do Enem. Em Linguagens, Amanda conseguiu nota 702,2 — 2,2 pontos além do mínimo estipulado pela instituição.
— Realmente, é uma exigência muito alta, porque Linguagens é uma prova difícil de se conseguir essa nota. Claro que estou feliz, mas vi que havia gente com uma média geral maior do que a minha que não entrou, porque não tinha os 700 em Linguagens. Me parece meio injusto — avalia a estudante.
As aulas de Amanda começam no próximo dia 26, depois de semanas de expectativas.
— Sei que, daqui a seis anos, estar na USP vai fazer diferença. Não que outras universidades não sejam boas, mas ali eu tenho certeza de que terei uma formação de excelência — comemora.