Por 6 votos a 5, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quarta-feira (27) que o ensino religioso ministrado em escolas públicas pode ser confessional, ou seja, pode promover crenças específicas. Depois de quatro sessões dedicadas ao tema, a Corte concluiu o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2010.
O caso girou em torno de um acordo entre Brasil e o Vaticano, firmado na Cidade do Vaticano em novembro de 2008. O decreto em questão, assinado pelo então ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, promulga um acordo entre Brasil e o Vaticano, que afirma que o "ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas" constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. Na avaliação da PGR, a redação evidencia a adoção de um ensino confessional, ou seja, com vinculação a certas religiões.
— Não vejo como se opor à laicidade a opção do legislador e não vejo contrariedade aqui que pudesse me levar a considerar inconstitucionais as normas questionadas — disse a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, que desempatou o julgamento e definiu o resultado. — Não vejo submissão do Estado à submissão de religião na norma. A pluralidade de crenças, a tolerância - que é princípio da Constituição Federal - combina-se com os dispositivos aqui atacados. Pode-se ter conteúdo confessional em matérias não obrigatórias nas escolas — concluiu a ministra.
Além de Cármen Lúcia, votaram a favor da possibilidade de o ensino religioso ser confessional - ou seja, vinculado a religiões específicas - os ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes.
— O Estado (...) deverá atuar na regulamentação do cumprimento do preceito constitucional previsto no artigo 210, §1º, autorizando na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças, mediante requisitos formais e objetivos previamente fixados pelo Ministério da Educação — disse Moraes.
Em sentido divergente votaram o relator da ação, ministro Luís Roberto Barroso, e os ministros Celso de Mello, Marco Aurélio Mello, Luiz Fux e Rosa Weber.
Para Celso de Mello, a fé é questão essencialmente privada no Estado laico.
— A laicidade do Estado envolve a pretensão republicana de delimitar espaços próprios e inconfundíveis para o poder político e a fé. O Estado laico não pode nem pode ter preferências de ordem confessional e não pode portanto interferir na esfera das escolhas religiosas. O Estado não tem nem pode ter interesses confessionais — sustentou Celso de Mello. — Ninguém pode ser coagido a fazer parte de associação religiosa. Ninguém pode ser perguntado, indagado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, nem ser prejudicado por se recusar a responder. Ninguém é obrigado a indicar sua religião. Ninguém pode ser obrigado a prestar juramento religioso. Nesta República laica, o direito não se submete à religião — frisou.
Na avaliação de Marco Aurélio Mello, a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais.
— Concepções morais religiosas, quer unânimes, quer majoritárias, quer minoritárias, não podem guiar as decisões do Estado, devendo ficar circunscritas à esfera privada. A crença religiosa e espiritual - ou a falta dela, o ateísmo - serve precipuamente para ditar a conduta e a vida privada do cidadão que a possui ou não a possui. Paixões religiosas de toda ordem hão de ser colocadas à parte na condução do Estado — disse Marco Aurélio Mello na sessão desta quarta-feira.
— É tempo de atentar para o lugar da religião na sociedade brasileira. Esta, embora aspecto relevante da comunidade, digno de tutela na Constituição Federal, desenvolve-se no seio privado, no lar, na intimidade, nas escolas particulares. Nas públicas, espaço promovido pelo Estado para convívio democrático das diversas visões de mundo, deve prevalecer a ampla liberdade de pensamento, sem o direcionamento estatal a qualquer credo — completou Marco Aurélio Mello.
Posição do relator
Para o ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, somente o modelo não confessional de ensino religioso nas escolas públicas seria compatível com o princípio de um Estado laico. Nessa modalidade, explicou o ministro, a disciplina consiste na exposição neutra e objetiva de doutrinas, práticas, aspectos históricos e dimensões sociais das diferentes religiões. A posição do ministro, no entanto, foi derrotada no julgamento concluído nesta quarta-feira.
Pela tese vencedora, o ensino religioso nas escolas públicas deve ser estritamente facultativo, sendo ofertado dentro do horário normal de aula. Fica autorizada também a contratação de representantes de religiões para ministrar as aulas. O julgamento não tratou do ensino religioso em escolas particulares, que fica a critério de cada instituição.