A decisão final sobre o ensino religioso nas escolas públicas ficará com o Supremo Tribunal Federal (STF), no qual tramita ação relatada pelo ministro Luís Roberto Barroso. Dois artigos na seção "Duas Visões" demonstram a importância da votação. Um deles é o texto do professor, doutor - Departamento e Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Carlos Adriano Ferraz (leia abaixo) com as alegações de quem entende que o ensino religioso precisa fazer parte da formação de todos os estudantes. O outro é o texto de Roberto Arriada Lorea, Juiz de Direito em Porto Alegre, membro da Associação dos Juízes para a Democracia (AJD) com a tese de quem defende o Estado laico, sob a alegação de que, entre as atribuições do Estado, não se inclui a promoção da religiosidade.
A história é conhecida: em uma tentativa de armar uma cilada para Jesus, lhe é colocada a questão: é lícito dar o tributo a César ou não? A essa questão ele responde: "A César o que é de César, e a Deus o que é de Deus". Temos, aqui, a primeira defesa de um Estado laico, reiterada em outras passagens: "O meu reino não é deste mundo". Portanto, a separação entre religião e Estado (laicidade) sempre foi uma exigência da tradição cristã em geral e do catolicismo em particular. O Édito de Milão, a Querela das Investiduras, por exemplo, mostram o esforço dos cristãos para manter separados os planos secular e religioso. Essa reivindicação, tão na moda atualmente (e, inclusive, usada como slogan pelos partidários do politicamente correto), já é conhecida dos cristãos há uns 2 mil anos. A Doutrina Social da Igreja e o Concílio Vaticano II, por exemplo, consideram a laicidade um "patrimônio da civilização", uma vez que ela assegura a liberdade religiosa e o diálogo (já observaram que democracia, liberdades, direitos etc. floresceram em culturas cristãs? Não foi por acaso).
O laicismo, por outro lado, coíbe a liberdade religiosa e conduz ao totalitarismo ideológico. Muito do debate que está ocorrendo agora, enquanto o STF discute sobre a matéria de ensino religioso nas escolas públicas, não repousa na laicidade (uma criação cristã), mas no laicismo, o qual é antirreligioso (e viola a separação entre Estado e religião). Aqui não se trata de separar Igreja e Estado, mas de banir a religião e a liberdade religiosa, o que inevitavelmente coibirá outras expressões da liberdade, afetando, pois, mesmo os não religiosos, que podem sustentar sua posição justamente porque vivem em uma sociedade alicerçada sobre valores oriundos da religião cristã, algo que lhes seria impossível, por exemplo, em culturas islâmicas. Calar a liberdade religiosa implica calar a própria consciência.
Assim, quando falamos do ensino religioso em escolas públicas a questão central é: qual o sentido mesmo da religião (e de seu ensino)? Ora, a religião é uma das esferas que dão sentido à existência humana, a exemplo do que ocorre, também, com a experiência estética, com o conhecimento etc. E a educação tem, também, esse papel: formar pessoas enquanto pessoas. Negar a elas qualquer uma dessas formas de realização é negar-lhes a atualização de sua natureza, pois é nessas disciplinas que elas se autoapreendem como pessoas. A rejeição do ensino religioso é tão temerária quanto o atual estado de empobrecimento da estética, do conhecimento etc. Não se trata de catequizar estudantes, mas, primeiramente, de mostrar-lhes as raízes cristãs de sua cultura, de seus valores, bem como, em segundo lugar, de lhes mostrar respostas às questões que todos (mesmo ateus) inevitavelmente se colocam, dentre as quais: há um Deus? Estado totalitário algum afastará de nós as questões que apenas são respondidas pela religião. A busca pelas respostas às questões perenes fomentou a religião, a qual, mesmo para ateus, é fonte de reflexão sobre o sentido. Em suma, o ensino religioso é parte da formação que traz à luz nossa natureza inquiridora em uma incansável busca pelo sentido. Tal como não precisamos ser estetas para assistir a uma aula de estética e perceber o valor da beleza, também não precisamos ser religiosos para perceber o valor da religião e a necessidade de ela estar no quadro formativo de todos os estudantes.
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