Conteúdo verificado: vídeo publicado no Facebook sugere fraude ao afirmar que o portal de notícias G1 divulgou resultado das eleições antes do TSE. Além disso, o vídeo afirma que urnas são inauditáveis e o voto de um candidato pode ser dado para outro.
São falsas as afirmações de um vídeo publicado no Facebook alegando que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) atualizou os dados das eleições municipais de 2020 conforme os números eram antecipados pelo portal de notícias G1. No dia da votação, o G1 divulgou a apuração a partir de dados informados pelo próprio Tribunal Superior Eleitoral.
Segundo o TSE, empresas jornalísticas não conseguem exibir dados da apuração antecipadamente. De acordo com o tribunal, os arquivos para divulgação dos resultados disponibilizados para as empresas jornalísticas são os mesmos acessíveis para qualquer cidadão, que são liberados à medida que o TSE consegue somá-los. Ainda segundo a Justiça Eleitoral, só é possível ter acesso a um resultado antes do TSE por meio dos boletins de urna impressos em todas as sessões quando a votação se encerra.
Também são falsas as afirmações de que “o resultado pode ser modificado após a votação” e que “os votos nulos e abstenções podem ser distribuídos para candidatos”. O próprio TSE esclarece em seu portal e em seu canal oficial no YouTube que a urna eletrônica possui diversas barreiras de segurança e que “tanto o voto nulo como o voto em branco não são considerados na soma dos votos válidos”.
Entrevistado pelo Comprova, Paulo Lício de Geus, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e representante da Sociedade Brasileira de Computação nos testes do TSE como avaliador, ressaltou que “a quantidade de obstáculos e o grau de dificuldade para ultrapassá-los impossibilitam a violação das urnas tanto para a alteração de votos entre candidatos quanto a direcionar votos brancos, nulos e abstenções”.
Também é falso dizer que “a urna é inauditável”, pois, de acordo com o artigo 66 da lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, “os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições e o processamento eletrônico da totalização dos resultados”.
Contatamos o responsável pela página e pela postagem no Facebook, mas até a publicação não recebemos resposta.
Como verificamos?
Para esta verificação, consultamos a legislação eleitoral brasileira, mais especificamente a resolução N° 23.603, que versa sobre os procedimentos de fiscalização e auditoria do sistema eletrônico de votação, e a lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições.
Entramos em contato com o Tribunal Superior Eleitoral para entender a situação dos votos nulos e brancos, a falha que ocorreu no “supercomputador” comprado pela corte e a centralização da totalização dos votos. A assessoria do tribunal encaminhou links das notas emitidas pela corte e a coletiva de imprensa concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso sobre os temas. O TSE também enviou uma nota explicando como é feita a divulgação dos resultados pelas empresas de imprensa.
Também entramos em contato com um especialista em computação que participou dos testes regularmente realizados pelo TSE, para saber sobre a possibilidade de alteração dos votos já computados nas urnas.
Realizamos pesquisas em ferramentas de buscas na internet (Bing, Google, DuckDuckGo) e redes sociais, mas não encontramos nenhuma informação que indicasse que o portal de notícias G1 teve acesso às informações das apurações antes do Tribunal Superior Eleitoral.
Verificação
Divulgação não ocorreu antes
Em nota enviada ao Comprova, o TSE disse ser falso que empresas jornalísticas conseguiram exibir dados da apuração do primeiro turno, em 15 de novembro, antecipadamente. “Os arquivos para divulgação de resultados, disponibilizados a empresas jornalísticas, são os mesmos do site de resultados acessíveis por qualquer cidadão e são liberados somente após o TSE totalizar (somar) os votos” explica o tribunal.
Televisões, sites e a imprensa em geral recebem os arquivos por meio de uma rede de distribuição chamada CDN, uma técnica para enviar grandes quantidades de dados através de uma rede de computadores. A CDN a que os veículos de imprensa têm acesso “replica o site de resultados para impedir sobrecarga e garantir que mais pessoas tenham acesso”, explicou o tribunal.
Segundo o TSE, a única forma de ter acesso aos resultados da eleição antes da Justiça Eleitoral é através dos boletins de urna. Quando a votação é encerrada, os boletins são emitidos em todas as sessões eleitorais, para garantir a transparência do resultado, e podem ser utilizados para auditar a apuração feita pelo próprio tribunal.
Na nota enviada ao Comprova, a Justiça Eleitoral também explicou que, no domingo de votação, devido a uma lentidão enfrentada na divulgação pelo site que ocorreu por causa do atraso na totalização dos resultados, o TSE disponibilizou o acesso ao sistema interno de contagem dos votos em um telão posicionado no Centro de Divulgação das Eleições (CDE), que fica no térreo do prédio do TSE, em Brasília.
G1 usou dados do TSE
No link de divulgação dos resultados de todos os municípios, o G1 informa que “a fonte das informações desta página é o Tribunal Superior Eleitoral”.
Os veículos de imprensa que acompanham a corrida da apuração, porém, não tiram os dados do aplicativo do TSE, mas sim de um data center (centro de processamento de dados) disponível na nuvem, ou seja, que pode ser acessado remotamente. Assim, emissoras de TV, rádio e portais de internet podem desenvolver suas próprias plataformas de divulgação dos números, desde que atendam às regras do TSE.
Os artigos 210 a 213 da Resolução 23.611/2019 determinam as regras para que os veículos de imprensa façam a divulgação desses dados. Uma delas é que “é vedado às entidades envolvidas na divulgação oficial dos resultados promover qualquer alteração de conteúdo dos dados produzidos pela Justiça Eleitoral”.
Em 2020, o TSE disponibilizou no YouTube um vídeo de uma hora e 11 minutos explicando o passo a passo de como essas informações podem ser acessadas. Também foram feitos dois simulados, em outubro e novembro, para que cada veículo pudesse testar se os seus programas de captação e divulgação dos dados estavam funcionando corretamente.
Dia da Eleição
Durante a apuração do primeiro turno das eleições, em 15 de novembro, houve uma falha em um dos computadores da rede do TSE que fez o sistema ficar lento e sem atualizar por algumas horas. Consequentemente, os portais de notícias ficaram sem reportar a atualização dos votos, e as notícias que circularam foram justamente sobre a demora do sistema de votação. Para portais como UOL e BBC, o Tribunal Superior Eleitoral admitiu a demora na apuração do resultado das eleições, mas garantiu que os dados chegaram normalmente aos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs).
Em coletiva de imprensa ainda na manhã do dia 15, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do TSE, fez um balanço das primeiras horas das eleições. Segundo ele, houve um ataque ao site do TSE, com milhares de acessos simultâneos, para tentar retirar a página do ar, mas a área de tecnologia do tribunal e empresas de telefonia conseguiram solucionar o problema.
Auditorias
O TSE realiza testes públicos permanentes (que acontecem regularmente todos os anos, não apenas próximo do período eleitoral) que buscam aprimorar os sistemas eleitorais. Esses testes contam com a participação de especialistas, que buscam identificar problemas e fragilidades que serão resolvidas antes da realização das eleições. De acordo com Paulo Lício de Geus, professor da Unicamp, a possibilidade de alteração do voto na urna “é tarefa dificílima”.
O professor explica que o teste é feito por investigadores tentando comprometer o sistema de votação. Posteriormente, a comissão avaliadora do TSE analisa o resultado dos investigadores, faz críticas e estuda as consequências e soluções.
— Em geral contamos com os apontamentos da equipe “moderadora” e com os desenvolvedores do TSE para explicar pontos ou responder perguntas nossas. Ao final geramos um relatório sintetizando tudo que foi obtido e respectivos impactos, assim como possíveis soluções e recomendações em geral — complementa Geus.
Legislação
As audiências de auditoria das urnas são públicas e podem ser realizadas por técnicos dos partidos políticos e por entidades fiscalizadoras dispostas no artigo 5º da Resolução do TSE 23.603/2019. A lei nº 9.504/1997, que estabelece normas para as eleições, em seu artigo 66 também afirma que “os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação. A urna é um arquivo histórico que mudou o sistema eleitoral brasileiro e evita fraudes e manipulações”.
Voto nulo e voto em branco
Um texto no site do TSE explica que, após o encerramento da votação, “os dados são assinados digitalmente, gravados em uma mídia de resultado, destacando-se que o boletim de urna (BU), além de assinado, é criptografado”. Feito isso, “as mídias de resultado são encaminhadas ao local próprio para transmissão”.
O texto também explica que, no caso dos locais de difícil acesso, como aldeias indígenas e certas comunidades ribeirinhas, “a transmissão é feita via satélite para o respectivo tribunal ou zona”. De posse dos dados, os TREs “dão início ao procedimento de totalização dos votos (soma de todos os boletins de urna) e, em seguida, à divulgação dos resultados”.
O TSE enfatiza que “tanto o voto nulo como o voto em branco não são considerados na soma dos votos válidos”.
Nessas eleições municipais, como medida de segurança, ocorreu a centralização dos votos no TSE. Isso se deu por recomendação da Polícia Federal, como explicou em entrevista coletiva o presidente do TSE, o ministro Luís Roberto Barroso.
Por que investigamos?
Em sua terceira fase, o Projeto Comprova verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.
É o caso deste vídeo que foi publicado no Facebook, um dia após o primeiro turno das eleições municipais, e já contabilizou mais de 7,8 mil interações.
O autor do vídeo traz uma série de comentários colocando em dúvida a lisura do processo eleitoral brasileiro, dentre eles, ele diz, sem provas, que “o resultado pode ser modificado após a votação”, “os votos nulos e abstenções podem ser distribuídos para candidatos”, “a urna é inauditável” e, que no domingo, “o TSE atualizou os dados conforme o G1”.
O Comprova já verificou que o sistema de voto eletrônico brasileiro pode ser auditado, ao contrário do que afirmava um post nas redes sociais e, que a votação estável ao longo da apuração não indica fraude em São Paulo. E também no dia 15, data da votação em primeiro turno, o Comprova verificou, em parceria com a agência Aos Fatos, que um ataque de hackers no sistema do TSE não viola a segurança da eleição.
A Agência Lupa também fez a checagem do vídeo investigado pelo Comprova.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Projeto Comprova
Depois de um período especial de 75 dias dedicado exclusivamente à verificação de conteúdos suspeitos sobre o coronavírus e a covid-19, o Projeto Comprova começou em 10 de junho a terceira fase de suas operações de combate à desinformação e a conteúdos enganosos na internet. O objetivo da iniciativa é expandir a disseminação das informações verdadeiras.
Nesta terceira etapa, o Comprova retoma o monitoramento e a verificação de conteúdos suspeitos sobre políticas públicas do governo federal e eleições municipais, além de continuar investigando boatos sobre a pandemia de covid-19. Fazem parte da coalizão do Comprova veículos impressos, de rádio, de TV e digitais de grande alcance.
Este conteúdo foi investigado por Agência Mural, Rádio Noroeste e Jornal do Commércio e verificado por A Gazeta, Coletivo Niara, Folha, GZH, Marco Zero Conteúdo, NSC Comunicação e Piauí e UOL.
É possível enviar sugestões de conteúdos duvidosos e que podem ser verificados por meio do site e por WhatsApp (11 97795-0022). GZH publicará conteúdos checados pela iniciativa. O Comprova tem patrocínio de Google News Initiative (GNI), Facebook Journalism Project, First Draft News e WhatsApp e apoio da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). A coordenação é da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).