O Ministério da Fazenda apresentou na quinta-feira (10) uma proposta de regulação para as big techs no Brasil, com o objetivo de evitar práticas predatórias das grandes plataformas digitais, ao limitar ou encarecer o acesso de consumidores a outros produtos e empresas.
A proposta se baseia em regras para a atuação dessas companhias já aplicadas em 10 países, notadamente Estados Unidos, Inglaterra e Austrália, além da União Europeia (UE). Procurada, a Brasscom, entidade que reúne as big techs no Brasil, afirma que "buscará entender os detalhes da proposta, com todas as suas empresas associadas, e não se manifestará nesse momento".
Já a Câmara Brasileira da Economia Digital, que representa empresas como Amazon e Facebook, afirmou, em nota, "que o Brasil já possui um arcabouço regulatório e jurisprudência robustos, flexíveis e eficazes para enfrentar desafios concorrenciais", e que uma nova regulação "poderia sufocar a competitividade e impactar negativamente a qualidade dos serviços digitais e os preços para os consumidores".
Hoje, não há uma regulação para a conduta dessas plataformas no Brasil e, durante consulta pública realizada no primeiro semestre deste ano, o governo colheu reclamações de empresas quanto à cobrança de taxas e de limitação de acesso de consumidores por big techs como Google, Apple, Amazon e Meta (dona do Facebook, Instagram e WhatsApp).
"Xerife"
Pela proposta, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passa a ser o regulador da atuação desses conglomerados, que deverão abolir práticas como dar preferência à aparição de produtos vendidos por sua própria plataforma.
Embora as regras devam alcançar as redes sociais, a equipe econômica quer restringir o debate apenas à regulação concorrencial. O objetivo é evitar discussões sobre o cerceamento à liberdade de expressão.
A proposta da Fazenda é que as empresas a serem alvo das regras sejam definidas previamente, de acordo com critérios como faturamento e relevância em múltiplos mercados, além da inegável dominância demonstrada em número de usuários. Esses requisitos deverão ser descritos em projeto de lei. Além do Google, Meta, Apple e Amazon, Booking, ByteDance (TikTok) e Microsoft também deverão ser enquadradas.
O secretário de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, Marcos Pinto, evitou cravar qual será o número de empresas monitoradas no país, caso o projeto avance no Congresso, mas sinalizou que deve ser algo similar ao observado no cenário internacional.
— A realidade brasileira é um pouco diferente da realidade da União Europeia, mas não acredito que tenhamos um número de plataformas muito maior ou muito menor do que eles fizeram lá — afirmou.
O secretário também frisou que o governo está propondo uma regulação distinta da europeia, criticada pela burocracia. Na equipe econômica, fala-se em um "modelo intermediário", que traçará regras de conduta prévias para as empresas, mas adaptadas ao negócio de cada uma delas e em atenção a problemas específicos identificados pelo Cade.
A complexidade da legislação europeia é frequentemente apontada como um excesso de burocracia e empecilho à inovação.
— Estamos propondo um modelo equilibrado, que vai preservar a concorrência e a inovação, sem gerar custos excessivos às empresas — disse o secretário.
As big techs, porém, já começam a se movimentar nos bastidores para evitar a implementação da regulação, que consideram desnecessária.
— Nenhuma empresa quer ser regulada, até porque muitas delas confiam que estão agindo corretamente e que não precisam do Estado para tutelá-las. Mas o recado que a Fazenda gostaria de passar é que estamos propondo algo muito razoável e equilibrado. O que a gente quer é defender um valor fundamental, sobre o qual economistas de esquerda e direita concordam: concorrência —afirmou.
Na quinta, a Fazenda apresentou um relatório com a experiência de outros países na regulação das big techs, além de um compilado de queixas e contribuições (foram 301) reunidas entre janeiro e maio deste ano. Essas informações fundamentam a proposta de regulação.
Queixas
Na consulta pública, entidades que representam empresas de cartões de crédito e fintechs enviaram reclamações, por exemplo, sobre a taxa de 30% cobrada pela Apple por vendas em aplicativos e de jogos online e no pagamento por aproximação.
A dona do Tinder, aplicativo de namoro, se queixou de exigências da Apple que resultam na "pior experiência do usuário, menos segurança, preços mais elevados, coleta desnecessária de dados dos clientes, menor escolha do consumidor e menor inovação".
Já a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV (Abert) fez referência ao acúmulo de dados que colocam plataformas digitais em vantagem em relação a concorrentes e a "critérios obscuros" na distribuição de conteúdo jornalístico na internet, sem justa remuneração aos veículos de comunicação.