Dois meses após o fim de semana em que cidades da Região Metropolitana foram inundadas, nos dias 3 e 4 de maio, é possível observar a alta da procura por locação de imóveis em Porto Alegre. Entre as alterações no perfil da demanda por locações residenciais destaca-se o fato de que muitos moradores de bairros centrais, à exemplo de Menino Deus, Centro e Cidade Baixa, optaram por buscar novas possibilidades em locais menos expostos aos riscos de enchente.
O movimento deixa reflexos visíveis no deslocamento da demanda e no valor médio apurado nas ofertas. A última divulgação do Índice FipeZAP — pesquisa mensal realizada pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, referente ao mês de maio — capta parcialmente a tendência e a Capital gaúcha figura com a quarta maior variação de preços por metro quadrado no país com 1,53%. Levantamento de mercado realizado pela Auxiliadora Predial assinala os locais onde se verifica elevação na busca por imóveis em mais de 60%.
Enquanto as placas de "aluga-se" convivem com as manchas da altura da água ou com os vidros recém-trocados em razão dos estragos nas fachadas das habitações do Menino Deus, Praia de Belas, Centro e Cidade Baixa, bairros como Santana, Petrópolis, Passo da Areia, Bom Fim e Partenon, absorvem parte da movimentação.
Diretor de aluguéis da Auxiliadora, Mario César Soares explica que o perfil das moradias da Capital é dividido em 50% para casas e 50% para apartamentos. Quando se analisa os contratos de locação, 90% dos imóveis disponíveis são apartamentos e apenas 10% são casas.
Ao identificar um pico de demanda a partir do dia 15 de maio, ele observa que muitas pessoas perceberam o prolongamento dos danos e passaram a sondar alternativas para não terem de permanecer por mais tempo em hotéis ou na casa de familiares. Segundo o executivo, alguns proprietários de casas em zonas planas optaram por alugar apartamentos em áreas elevadas, o que também contribuiu com o cenário de alta na procura por aluguéis.
— Há, inclusive, quem buscou opções no mesmo bairro, mas em zonas que não foram atingidas. Quem alugava casa e ficou 30 dias fora, pela lei do inquilinato, entrega a chave, não paga aviso prévio e pode se mudar. Estamos falando de um mercado de locação aquecido em que não se percebe crise pela frente — afirma o executivo, ao lembrar que os estoques atuais já estão 25% abaixo dos apurados em igual período do ano passado.
Soares garante que em caso de oferta maior não haveria problemas em transformá-la em novos contratos, diante da atual conjuntura do mercado.
Recorde de valores de locação em junho
A sede da entidade que representa o mercado imobiliário do Estado — o Sindicato intermunicipal das empresas de compra, venda, locação e administração de imóveis e dos condomínios residenciais e comerciais no Rio Grande do Sul (Secovi/RS) — foi um dos locais afetados pela enchente de maio. O sindicato ainda trabalha para levantar os dados oficiais do setor. Enquanto isso não acontece, os relatórios internos de imobiliárias indicam a tendência não apenas para a Capital, mas também na Região Metropolitana.
É o que diz o vice-presidente do Secovi/RS e CEO da Imobiliária Vila Rica, Leandro Hilbk. Segundo ele, as cidades que não foram atingidas, como Sapucaia do Sul, também absorvem a demanda de locais mais afetados como Canoas e São Leopoldo e se encontram, atualmente, com os estoques esgotados.
— Mês passado foi o período de procura por moradias em regiões não afetadas, este mês é o momento de desocupar as habitações nos bairros atingidos — resume, ao lembrar que existe um processo de negociação com os inquilinos para a manutenção dos atuais valores de contrato.
Na Guarida, conforme comenta o diretor de Aluguéis, Rafael Spolavori, a partir do dia 20 de maio a procura se intensificou. Após duas semanas com praticamente nenhuma assinatura de contrato, maio fechou com crescimento de 23% nos atendimentos realizados. A maior quantidade foi registrada nos 10 últimos dias do mês.
Em junho, houve novo aumento, comenta o executivo. Desta vez, de 9% nas visitas, quando comparadas às realizadas em maio, que já havia registrado uma procura bastante acima da média. A diferença, segundo Spolavori: em junho o volume teve reflexos maiores nos negócios e o mês encerrou com o maior Valor Geral de Aluguel (VGA) da história da empresa, fundada em 1997, com o dobro das cifras apuradas em maio.
Foram mais de 5 mil visitas. Em alguns locais, houve até quatro interessados pela mesma oferta, o que, por consequência, também ocasiona a elevação dos preços médios.
— Foi o mês da história que a gente mais alugou imóveis em valor geral de locação. Uma demanda muito grande. Obviamente, as pessoas procuravam regiões mais afastadas ou regiões dentro do próprio bairro que acabaram não sendo afetadas pela enchente — destaca.
Tendência de alta no preço dos contratos
O atual cenário para a locação de imóveis em Porto Alegre, conforme o diretor de aluguéis da Auxiliadora Predial, Mario César Soares, é fruto de um movimento de demanda. Trocando em miúdos, é o aumento das buscas que faz com que os preços também se elevem.
Coordenador do curso de Negócios Imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), Alberto Ajzental, acrescenta que a realidade de Porto Alegre tende a se repetir em outras cidades afetadas pela enchente. Os preços, segundo ele, já vinham em escalada.
Isso acontece porque em 2020, 2021 e meados de 2022, os valores ficaram represados, em razão da pandemia. Só que nos últimos 24 meses, o reajuste dos contratos está na casa de dois dígitos. Em 2023, fechou em 14,8% — índice que supera em três vezes o da inflação oficial, que ficou em 4,65% em igual período.
Agora, explica Ajzental, esse impacto inflacionário deverá perdurar, uma vez que também há um processo migratório em curso, que faz com que muitas famílias afetadas diretamente pela crise climática deixem suas cidades em busca de oportunidades em outras.
— O RS vai sentir de maneira muito clara um aumento de aluguel, não só em Porto Alegre, mas em outras cidades afetadas. Tem gente se mudando, tem gente desistindo de determinadas cidades e localidades, dizendo "chega, não dá mais para ficar aqui", e essa mobilidade está acontecendo e faz se refletir no aumento de demanda, porque primeiro se aluga, depois se compra — projeta.
Algumas movimentações em andamento na Capital
Centro
As locações no Centro caíram 34% na comparação entre maio e junho de 2024 e o mesmo período do ano passado. Por outro lado, o tíquete médio para o metro quadrado de um dormitório subiu de R$ 28,16 para R$ 32,24, alta de 14,5%. A explicação é que a procura migrou das regiões mais baixas para as mais altas, também consideradas as mais nobres.
Petrópolis
De acordo com a mesma base de comparação, houve incremento de 20% em quantidade de contratos. E o valor médio do metro quadrado avançou de R$ 36,73 para R$ 46,57. A explicação é de que houve uma procura maior por imóveis de ticket médio mais alto, em uma região não-alagada e pouco afetada pela enchente.
Santana
Bairro pouco afetado e com ticket médio mais baixo do que Cidade Baixa, Centro e Bom Fim, por exemplo, o Santana registrou crescimento de 38% na quantidade de locações, mas o preço pago pelo metro quadrado não teve variação na comparação entre maio e junho de 2024 e 2023. A justificativa é de que clientes de regiões periféricas buscaram opções menos expostas e com ticket médio mais baixo.
Menino Deus e Cidade Baixa
Bairros próximos e de perfil semelhante, ambos com regiões alagadas em maio, os locais tiveram queda de 35% na procura e a média de preços do metro quadrado para dois dormitórios permaneceu estável, com aumento de R$ 30,55 para R$ 30,62, o metro quadrado na comparação entre maio e junho de 2023 e 2024. Já os imóveis de um dormitório saíram de R$ 30,47 para R $27,29, uma baixa de 11%.
Bom Fim
Bairro que absorveu parte da procura de moradores da Cidade Baixa e do Menino Deus, o Bom Fim teve aumento da procura em 15% e o preço médio por metro quadrado foi 7,6% superior ao verificado nos meses de maio e junho do ano passado — passando de R$ 30,68 para R$ 33,01. Um dos motivos é um perfil de buscas por moradias próximas da anterior.
Sarandi
Uma das áreas mais afetadas pela enchente de maio, em razão do rompimento de um dique, o Sarandi registra um movimento curioso. Apesar dos estragos, teve aumento de 34,5% na procura. No entanto, é possível compreender o movimento ao avaliar o comportamento dos preços por metro quadrado, que subiram 10,7% (de R$ 19,67 para R4 21,77) entre maio e junho de 2023 e 2024 nas opções com dois dormitórios, mas caíram -11,9% (de R$ 24,53 para 21,62) nas ofertas de um dormitório em igual período. Nesse contexto, há procura por regiões mais distantes do Guaíba e mais elevadas dentro do mesmo bairro.