Por Nelsa Ines Fabian Nespolo
Presidente da Cooperativa Central da Justa Trama
Temos sonhos que, às vezes, se realizam a curto prazo. Mas tem aqueles que levam 28 anos e marcam a vida de muita gente.
Em 1996, surgia em Porto Alegre uma cooperativa de costureiras, a Univens – Cooperativa Unidas Venceremos, criada por costureiras da Vila Nossa Senhora Aparecida, no bairro Sarandi. Quando foi fundada, a cooperativa tinha uma expectativa e uma promessa: costurar para o Grupo Hospitalar Conceição (GHC). Por uma série de razões, esse sonho nunca havia se realizado até então. Ao longo desses anos, as mulheres persistiram e seguiram trabalhando dentro dos princípios da economia solidária, dividindo de forma justa os ganhos gerados e produzindo de forma coletiva uniformes para empresas e escolas, camisetas e produtos corporativos, promovendo o desenvolvimento local – já que todas elas moram próximo à cooperativa.
Em 2005, a cooperativa Univens se uniu a outras associações e formou uma cadeia produtiva, a Justa Trama. Trata-se de uma rede nacional de algodão agroecológico que envolve associações e cooperativas desde o plantio do algodão, passando por processo de fiação, tecelagem e acabamentos até a produção da roupa e seus adereços.
O que nem todos sabem é que o algodão convencional tem 25% dos agrotóxicos do mundo aplicados, e esses contaminam tanto esse material como a terra e a água. Para produzir uma camiseta de algodão convencional são necessários em torno de 160g de agrotóxicos aplicados para ter o montante do algodão necessário para produzi-la.
Então, sentimos a necessidade de criar uma rede que não tivesse essa prática. Assim, criamos a Justa Trama, que se inicia no Ceará, onde é plantado o algodão branco, junto com o plantio do gergelim, do milho, da melancia. Ou seja: de forma consorciada, para repelir as pragas do algodão, além de produtos naturais que são aplicados como o nim e a urina da vaca, não usando nada de agrotóxicos, o que o certifica como algodão agroecológico. No Rio Grande do Norte, é plantado o algodão rubi, que já nasce colorido. Segue para Minas Gerais, onde são feitos fiação, tecelagem, acabamento e pré-encolhimento do tecido. Os botões dessas roupas não poderiam ser de plástico, mas de sementes de tucumã, coco e jarina do norte do Brasil, em Rondônia. Por fim, essa rede se completa com o Rio Grande do Sul, onde ocorre a confecção da roupa. São mais de 700 pessoas envolvidas nessa grande rede da economia solidária: a Justa Trama.
A grande novidade, então, é que esses tecidos produzidos de forma agroecológica e da economia solidária estão sendo transformados em lençóis. A Justa Trama acaba de assinar um contrato de colaboração a partir de uma chamada pública para produzir, mensalmente, durante um ano, 600 lençóis e cem fronhas para o GHC.
É o encontro entre uma grande rede de produção coletiva com a política pública. Um hospital do Sistema Único de Saúde (SUS), que quer fazer chegar aos pacientes atendidos não só o alimento saudável, mas também que os lençóis sejam orgânicos. Isso é um grande diferencial para a saúde.
É uma decisão importante da direção do GHC, pois demonstra que o mais importante é a vida, e que deve ser preservada de todas as formas – no cuidado, no alimento e também nos lençóis. A escolha de ser no Hospital Infantil também é uma demonstração de que o primeiro cuidado deve ser onde há mais fragilidade da vida, que é a infância. Há também aqui um aspecto importante que se trata de um hospital do SUS, o primeiro do Brasil que toma essa decisão.
E que se soma a outras iniciativas importantes que fortalecem a produção orgânica como as compras públicas do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que remuneram em 20% a mais quando os produtos são orgânicos.
Uma grande conquista das mulheres da Justa Trama, que persistiram em seu sonho, e que fortalece toda a rede, projetando a economia solidária para novas perspectivas de produção e, sobretudo, de organização das mulheres – já que o setor da confecção é marcado fortemente pela presença das delas. Para a saúde é um passo a mais na preservação da vida. E o SUS, que não só democratiza o acesso à saúde, mas que também se apresenta como grande exemplo para tantos outros hospitais que podem seguir esse caminho.
A emoção, o sorriso e o brilho no olhar tomam conta das mulheres guerreiras, que nunca desistiram de conquistar mais e de buscar novas formas de melhorar não só suas vidas, mas agora também as vidas que estão sendo tratadas pelo SUS. Que a vida seja preservada e cuidada e que a política pública abra cada vez mais oportunidades para que a democracia econômica mude trajetórias, inclua e provoque a distribuição de renda tão necessária neste país.