Do hábito milenar ao consumo que se adapta à evolução do mundo, o mercado de chás cresce a cada ano — em adeptos e em produtos. Da tradicional às infusões, da quente à gelada, a bebida ganha espaço como item saudável e movimenta a indústria em busca de novas misturas. Os dados que mapeiam a força deste vapor ainda são poucos no país, mas já contabilizam mais de cem empresas apostando no ramo, somente entre as que compõe a Associação Brasileira do Chá (ABChá).
No Brasil, importante consumidor e produtor das bebidas que têm China e Índia como grandes representantes, é a tropicalidade que ajuda a ampliar a gama de opções, seja pela combinação de frutas ou pelo uso de plantas nativas, como a erva-mate.
O mercado como um todo é amplo, mas existem distinções importantes. Apesar de todo chá ser uma infusão (imersão de ingredientes em água quente), nem toda infusão é um chá. Por designação, os chás são aqueles unicamente feitos a partir da planta Camellia Sinensis. As demais bebidas que consideram misturas de ervas, frutas e flores são categorizadas como infusões.
- Chá: bebida que vem da planta Camellia Sinensis. A depender do tipo de processamento, resulta em seis tipos de chás: branco, amarelo, verde, vermelho (Pu Erh), oolong e preto.
- Infusão: demais plantas, ervas ou frutos preparados em água quente.
Popularmente, ambos os tipos são comumente chamados de chás, o que leva a uma definição também comercial. No Brasil, o setor de chás como um todo abrange as duas opções, e vê expansão em todas as frentes, segundo as empresas do segmento. Algo que não é de hoje, mas que ganhou empurrão a partir da pandemia, quando as pessoas passaram a consumir mais bebidas em casa.
Há 20 anos já se falava em crescimento do mercado de chás no Brasil, observa Carla Saueressig, gaúcha e vice-presidente da Associação Brasileira do Chá (ABChá), criada em 2019. E a tendência, garante, se mantém.
A produção brasileira se concentrou ao longo dos anos no Estado de São Paulo, muito por influência da imigração japonesa, tendo o Vale do Ribeira como um dos polos do chá. Mas há outros centros que despontam, como o Rio Grande do Sul, com fabricação que fornece produtos ao Brasil todo.
O crescimento, dizem as empresas, acompanha o gosto do consumidor. A tendência de bebidas saudáveis é uma crescente mundial e ganhou ainda mais relevância nos últimos anos. Prazer e saúde, portanto, são vistos com caminho sem volta da indústria deste ramo.
— O brasileiro é um tomador tradicional de infusões, mas está cada vez mais tomando por prazer. E isso é algo que ainda vai dar uma guinada no mercado — antecipa Carla.
Empresa gaúcha abastece o mercado nacional
É de uma empresa familiar no município de Riozinho, distante cerca de duas horas de Porto Alegre, que saem as conhecidas caixinhas de chás que abastecem supermercados do Brasil inteiro. De marca própria ou embalados para terceiros, os chás da Scrivia Brasil existem há mais de 70 anos no mercado.
A empresa gaúcha é uma das principais fabricantes de infusões no país e uma das poucas que trabalha com o processo completo, do plantio das mudas ao processamento delas. A produção foca em três frentes: na marca própria de sachês para o consumidor final, na venda de matéria-prima para outras indústrias fazerem o fracionamento, e na fabricação de produto para outras empresas (como grandes redes de supermercado) colocarem a sua marca própria.
Todo o processo é feito na unidade. Da lavoura ao secador, onde ocorre a desidratação das plantas, as folhas passam por uma triagem delicada que retira eventuais impurezas antes do envase final nas embalagens específicas de cada produto. São mais de 200 toneladas de ervas processadas anualmente e mais de 35 milhões de sachês de chás produzidos por ano.
O mercado é tão amplo que é difícil mensurar o alcance dos produtos no segmento da distribuição. Segundo a empresa, além do ramo nacional, há as compradoras que processam a matéria-prima para exportar. O destino dos chás com selo gaúcho, portanto, é global. E tem espaço para crescer.
Mathias Pretto, que comanda a Scrivia, cita pesquisas que apontam que o consumo de bebidas do tipo deve dobrar até 2027. Muito pela substituição dos refrigerantes, como tendência de consumo saudável. E também pela versatilidade que os produtos de chá permitem ao mercado, muito além do uso medicinal.
— O mercado do chá no Brasil vem de muitos anos, ainda muito vinculado a um benefício de saúde. As pessoas têm como hábito buscar uma camomila quando precisam de um calmante, ou um chá verde quando querem emagrecer. E existem agora marcas que trazem ainda outra proposta, como ocorre com o vinho, para acompanhar um prato ou mesmo para drinques — diz Pretto.
Dentre os produtos da Scrivia, os chás de camomila são os que mais vendem. Mas há espaço importante também para os blends, que combinam mais de uma variedade de ervas. Os produtos são para todos os bolsos, dos acessíveis que custam menos de R$ 5 aos mais elaborados, que passam de R$ 50 a depender da embalagem e da mistura.
A versatilidade da erva-mate
Se há espaço para todas as plantas, há também para a erva-mate, espécie nativa na América do Sul e que tem o Rio Grande do Sul como maior consumidor nacional.
Com tradição centenária na produção de erva-mate para chimarrão, foi justamente das inúmeras possibilidades da folha que a Baldo, empresa com sede em Encantado, no Vale do Taquari, começou a apostar no ramo dos chás.
Hoje, a marca é referência no mercado pela gama variada de produtos feitos com a planta nativa. A capacidade produtiva é de 600 toneladas ao ano somente neste segmento. São cerca de 40 funcionários envolvidos na linha de chá mate.
A partir da construção de fábrica dedicada especialmente à operação de chá mate, no município de São Mateus do Sul, no Paraná, a empresa desenvolveu uma linha de chás derivados da erva-mate e vem atendendo a uma busca cada vez mais crescente por bebidas naturais. Os produtos da linha podem ser consumidos quentes ou gelados, puros ou com saborizantes.
A empresa tem quatro unidades de produção que ficam no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, além de uma operação no Uruguai, com o controle da marca de erva-mate Canarias.
— Não inventamos a roda, mas valorizamos aquilo que a gente já conhece. Entendemos que o mate tem um potencial de consumo que ainda não se conhece. É uma bebida nacional. O chimarrão, o tererê, o mate das praias cariocas. São todos produtos semelhantes, no fim das contas — diz Leandro Gheno, diretor vice-presidente da Baldo.
Na avaliação da ABChá, o mercado de bebidas saudáveis de chás e infusões ainda vai crescer. Assim como o café, que desenvolveu a cadeia produtiva e se especializou largamente ao longo dos anos.
— O brasileiro tem uma regionalidade de tomar o “chá entre aspas”. Enquanto o Rio Grande do Sul é consumidor de chimarrão, o restante do país consome muito chá mate gelado, fora o tradicional tererê do Centro-Oeste. A erva-mate para além do chimarrão tem muito potencial de crescimento a partir de processos novos — acrescenta a vice-presidente da ABChá, Carla Saueressig.
Você sabia?
Os chás comercializados no Brasil respondem a uma regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A Anvisa divide as plantas em duas categorias: as farmacopeias (usadas para medicamentos) e as chás alimentos (usadas nos chás comerciais). Muitas plantas de uso popular, no entanto, não estão listadas neste último grupo. É o caso da malva e do poejo, por exemplo.
O conhecido "chá de marcela" ou "macela", planta símbolo no Rio Grande do Sul, não é catalogado pela Anvisa e, portanto, não pode ser comercializado, o que gera debate na indústria. Empresas como a Scrivia alegam que a variedade é vendida irregularmente, trazendo uma disputa desleal de mercado. O tema tem sido levado a Brasília para ajustes na legislação.
Pelo mundo
China e Índia são os maiores produtores mundiais de chá, segundo a ABChá. A Índia é o maior local em consumo per capita. Na parcela ocidental, o posto de maiores consumidores fica com a Irlanda e com uma região da Alemanha chamada Frísia do Norte.