O número de pedidos de crédito negados para propriedades rurais no Rio Grande do Sul chegou a 39 no primeiro semestre deste ano. O motivo: indícios de desmatamento ilegal. Os dados foram obtidos pela equipe de reportagem de GZH junto ao Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
As operações envolviam, ao todo, R$ 5,4 milhões e fazem referência ao período de 9 fevereiro a 30 junho. A instituição financeira aprovou 6.573 solicitações, disponibilizando R$ 1,6 bilhão em recursos para os agricultores gaúchos.
No Brasil, o BNDES bloqueou 182 pedidos, totalizando R$ 62,5 milhões que tinham como destino imóveis rurais em 17 Estados com indícios de desmatamento. Os entraves registrados para o setor agro do Rio Grande do Sul, portanto, representam parcela de 8% do valor total negado nacionalmente.
Desde fevereiro, só podem ser aprovados pelo banco financiamentos de crédito rural destinados a imóveis sem qualquer sinal de irregularidade. Em caso de negativa, os proprietários ainda têm o direito de apresentar contestação por meio de documentos que comprovem que a remoção de vegetação em sua área de atuação foi totalmente regular.
Neste ano, a instituição financeira firmou parceria com o MapBiomas — iniciativa que envolve organizações não-governamentais (ONGs), universidades e empresas de tecnologia especializadas nos principais usos da terra em solo brasileiro.
Por meio de imagens de alta resolução, a plataforma MapBiomas Alerta tem a capacidade de validar alertas e produzir laudos de constatação de desmatamentos recentes. A integração com o sistema do BNDES é totalmente automatizada.
Um dos documentos gerados e encontrados por GZH na plataforma mostra área de quase um hectare, menor do que um campo de futebol, localizada em Caxias do Sul, na Serra.
A supressão da vegetação teria sido provocada pela atividade agropecuária — podendo, inclusive, ter sido autorizada. Enquanto do lado esquerdo se vê a área em 10 de março, o lado direito mostra como ficou após um mês.
— Em alguns casos foi um incêndio e a área está em recuperação ou houve redução do ciclo de chuvas, as folhas secaram e depois a vegetação volta a crescer. Então a gente olha visualmente cada uma das imagens em alta resolução, descartamos os falsos alertas, mantemos os verdadeiros e cruzamos com dados públicos, como limite de imóveis, cadastro de propriedades, áreas de embargo do Ibama. Com essas informações, criamos laudo e deixamos esse dado público. E daí o BNDES consulta a situação de cada propriedade que vem a solicitar crédito rural. Se houver alerta de desmatamento, o banco exige o comprovante de autorização — explica Marcos Rosa, coordenador técnico do MapBiomas.
Alinhados à pauta ambiental
A Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) avalia o levantamento realizado pelo BNDES como positivo. De acordo com a entidade, as baixas negativas — que ainda podem ser revertidas se não forem comprovadas irregularidades — refletem o compromisso internacional em que o Brasil e o próprio RS são signatários.
Durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26), realizada na Escócia em 2021, o governador Eduardo Leite reafirmou o compromisso de neutralização das emissões de carbono até 2050.
O diretor vice-presidente da Farsul, Domingos Antônio Velho Lopes, afirma que, pela primeira vez, a agropecuária passou a ser vista como parte da solução da emissão de gases do efeito estufa. Na COP26, o setor anunciou seu alinhamento às pautas ambientais.
— Independentemente de cadeia produtiva e também sem levar em conta o porte, nós estamos buscando através da maturidade e da integração do setor público-privado informar ao produtor rural toda essa questão — observa Domingos, também coordenador do Departamento de Meio Ambiente da federação.
O dirigente da Farsul observa que apenas 0,5% do total de pedidos de crédito protocolados pelos produtores rurais gaúchos não foi liberado.
Os empréstimos do BNDES para produtores rurais atendem 92% dos munícipios do país por meio de rede parceira de 76 instituições financeiras. No primeiro semestre de 2023, já foram financiados R$ 11,5 bilhões para a agricultura brasileira.
O coordenador técnico do MapBiomas comenta que a plataforma não faz a distinção entre desmatamento legal e ilegal, interessando ao banco exigir essa comprovação para a concessão de crédito.
— Que a gente valorize essa grande maioria dos proprietários, que não têm feito desmatamento. Aí sim, tem de ter apoio, crédito e acesso ao mercado para vender os seus produtos com mais facilidade. E, sim, dificultar para quem trabalha da forma ilegal. Quando realizamos esse mapeamento, estamos valorizando essa grande maioria dos produtores, que atuam na legalidade.