A transferência de dívidas bancárias para outras empresas, embora seja uma prática regular, é um obstáculo à negociação pelas regras do programa Desenrola, lançado neste mês.
A venda ocorre quando um banco repassa o débito de um cliente a uma empresa de cobrança ou securitizadora por um valor geralmente abaixo da cifra devida. A partir daí, cabe a esse novo credor lidar com a negociação e buscar o pagamento. O problema é que, conforme o Ministério da Fazenda, essas instituições fora do sistema bancário ainda não estão contempladas pelo projeto federal de combate à inadimplência.
Procurado por GZH, o ministério esclareceu em nota que "nessa primeira etapa, estão sendo renegociadas somente dívidas com instituições financeiras, e não fazem parte as dívidas que tenham se originado nos bancos, mas foram transferidas para outros credores. A segunda etapa do programa será aberta para diferentes credores, além dos bancos. O Ministério da Fazenda divulgará oportunamente os prazos para habilitação desses credores e o cronograma para renegociação".
Dessa forma, quem teve o seu contrato negociado tem duas opções: aguardar pela inclusão no programa federal, caso se enquadre nas regras da próxima etapa (veja mais detalhes na seção de perguntas e respostas, ao final desta matéria), ou buscar um acordo mesmo fora do Desenrola. Conforme o diretor da Serasa, Matheus Moura, costuma haver disposição das empresas de cobrança ou securitizadoras em achar uma saída — o que pode ser feito diretamente ou por intermediários como a própria Serasa. Há casos específicos em que o desconto pode chegar a mais de 90%.
— Percebemos, pelos nossos próprios canais, que há muitas ofertas para negociar. O que pode acontecer, algumas vezes, é a pessoa não encontrar mais a sua dívida na instituição original — afirma Moura.
Há devedores que afirmam ser pegos de surpresa pela transferência do seu débito (embora a lei preveja uma notificação prévia), o que pode representar uma dificuldade a mais pela perda de tempo até confirmar em que mãos está a pendência. A recomendação, segundo o especialista em crédito da Ailos Luiz Fernando da Silva, é sempre procurar o credor original para se informar sobre a situação.
— As securitizadoras, em geral, pagam ao credor original um valor menor do que a dívida de fato, e oferecem ao consumidor algum tipo de acordo com desconto. Então, isso pode até acabar ajudando — avalia Silva.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) esclarece que o cliente não precisa autorizar o processo de cessão, mas "deve ser notificado oficialmente sobre a venda da dívida". A entidade informou que não dispõe de dados sobre a venda de débitos no país.
A seguir, veja algumas das principais questões sobre como funciona esse processo e o que fazer nesse tipo de situação.
Tire suas dúvidas
Em que condições pode ser feita a venda de uma dívida bancária? Preciso ser consultado?
Segundo a Febraban, a cessão ou venda de dívidas entre instituições é um "processo comum e legalmente previsto no Código Civil". Em geral, empresas especializadas na recuperação de crédito (como securitizadoras) adquirem as dívidas na expectativa de reaver o valor com base em sua experiência nessa atividade. O processo ocorre mediante contrato e, ainda que o cliente não precise autorizar a cessão, ele deve ser notificado oficialmente sobre a venda da dívida e pode entrar em contato com a empresa que comprou o crédito pendente para obter mais detalhes.
Se a dívida foi vendida pelo banco, há alguma forma de participar do Desenrola?
No momento, não. Mas isso deve ser possível, em alguns casos, a partir de setembro, quando está previsto o lançamento da chamada Faixa 1 do programa. Ele vai contemplar pessoas com renda bruta mensal de até dois salários mínimos ou inscritos no Cadastro Único do governo federal e até R$ 5 mil em débito (por enquanto, a Faixa 2 atinge devedores com renda de até R$ 20 mil). A Febraban informa que a Portaria 634 do Ministério da Fazenda permitirá que quem tiver adquirido a dívida, como empresas securitizadoras ou Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDCs), possa participar do Desenrola como credores pela Faixa 1. Para isso, entretanto, precisará se habilitar como participante do Desenrola mediante o preenchimento de informações e adesão na plataforma oficial, a ser disponibilizada em breve.
Meu débito foi vendido. Como devo proceder?
Segundo a Febraban, caso a empresa que tenha comprado a dívida venha a aderir à Faixa 1 do Desenrola (com previsão de lançamento em setembro), o devedor que se enquadrar no perfil do programa poderá renegociá-la mediante a contratação de um financiamento. Caso a empresa detentora da dívida decida não participar do Desenrola (a adesão é opcional), sugere-se que o cidadão ainda assim a procure para tentar renegociar suas dívidas. A Febraban alerta, no entanto, para que "não sejam aceitas propostas de envio de valores a quem quer que seja, com a finalidade de garantir melhores condições de renegociação das dívidas. Somente após a formalização de um contrato de renegociação é que o cidadão pode ter os valores debitados de sua conta".
Me senti prejudicado. A quem devo reclamar?
A orientação do governo federal é que o cliente procure primeiramente o local do atendimento inicial ou o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) da própria instituição envolvida. Como segunda opção, pode ser procurada a ouvidoria da instituição e, caso o problema persista, a recomendação é recorrer aos órgãos de defesa do consumidor, como o Procon do seu Estado. Também é possível registrar uma reclamação pelo site do Banco Central. O BC pode usar essa informação para realizar ações de fiscalização, melhorar a legislação, organizar um ranking baseado no índice de reclamações, mas não atua sobre o caso individual. O BC apenas encaminha a reclamação à instituição financeira citada e dá prazo de 10 dias para que ela responda com cópia para o cliente.