Após abertura acelerada durante a pandemia, os novos registros de microempreendedor individual (MEI) estabilizam, enquanto o número de fechamentos salta no Rio Grande do Sul. No primeiro semestre deste ano, a extinção desse tipo de negócio aumentou 44,13% no Estado ante o mesmo período do ano passado. Os dados são da Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grande do Sul (JucisRS).
Aquecimento do mercado de trabalho e falta de gestão em empresas abertas por necessidade estão entre alguns dos fatores que ajudam a explicar esse movimento. O processo pode gerar mais previsibilidade para trabalhadores que migram para CLT, mas também abre espaço para alta na informalidade, segundo especialistas.
No acumulado de janeiro a junho, o Estado anotou a extinção de 52.736 MEIs — 16.148 a mais na comparação com o mesmo recorte de tempo em 2022 e o maior número absoluto pelo menos desde 2015. Giulia Mattos, especialista em MEIs do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas no Estado (Sebrae-RS), afirma que a alta expressiva no fechamento desse tipo de empresas é reflexo do comportamento do mercado de emprego formal. Com a saída do período mais crítico da pandemia, as contratações retomaram e abriram espaço para migração de empreendedores individuais para o regime tradicional de trabalho.
— É um sinal de que o país se encontra em um período de recuperação dos impactos que a covid causou financeiramente. Esses percentuais, que em um primeiro momento geram preocupação, podem indicar que há um mercado se recuperando para os padrões, de sazonalidade inclusive, após dois anos de movimentos atípicos — avalia Giulia.
A especialista explica que, durante a pandemia, parte dos trabalhadores que perderam emprego acharam no MEI uma oportunidade de garantir renda. Agora, parcela desses cidadãos volta para o modelo anterior à retomada.
Esse movimento não é exclusivo do Rio Grande do Sul, porque também é observado em outras regiões do país, conforme Giulia. Ela cita também o caso de MEIs extintos de maneira automática por falta de movimentação no negócio diante de dificuldades de gestão.
Lisiane Fonseca da Silva, economista que atua na área do mercado de trabalho e professora da Universidade Feevale, aborda essa parte organizacional dos negócios. A professora afirma que alguns empreendedores individuais acabam esbarrando nas dificuldades operacionais, impulsionadas por um cenário econômico restrito por juro alto, inflação e inadimplência:
— Nos anos mais recentes, a gente teve uma situação de crédito com juros muito altos e isso às vezes compromete a capacidade de gestão do negócio.
Como exemplo, Lisiane cita casos de empresários que contraíram empréstimos com taxa mais baixa durante a pandemia, mas enfrentam dificuldades para honrar as parcelas desses financiamentos em um ambiente de aperto monetário e pouca tração no consumo.
Especialistas citam a migração de alguns MEIs para outros modelos maiores de empresa dentro do processo de aumento de extinção desse tipo de negócio, mas afirmam que é difícil mensurar essa influência.
Na outra ponta, o número de abertura de MEIs segue em patamar elevado, mas mostra queda (veja mais abaixo). Com isso, o saldo entre constituição e extinção desse modelo segue positivo, mas em desaceleração.
O modelo de MEI
Criado em 2008 e iniciado efetivamente em 2009, o modelo MEI permite a formalização de negócios de pequeno porte com simplificação nos trâmites e na tributação. O processo de abertura é centralizado e organizado pelo governo federal.
- Nesse regime, o microempreendedor pode faturar, no máximo, R$ 81 mil por ano;
- O MEI não pode participar de outra empresa como sócio ou titular;
- Pode ter, no máximo, um empregado que receba o piso da respectiva categoria ou um salário mínimo;
- A empresa é enquadrada no Simples Nacional e fica isenta de tributos federais, como Imposto de Renda, PIS, Cofins, IPI e CSLL;
- O microempreendedor individual precisa pagar, mensalmente, taxas de R$ 67,00 (comércio ou indústria), R$ 71 (prestação de serviços) ou R$ 72 (comércio e serviços);
- Permite ao microempreendedor acesso a direitos como aposentadoria (por idade ou por invalidez), auxílio-doença e auxílio-maternidade.
Impactos na economia
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho, Lúcia Garcia, afirma que esse movimento na esfera dos MEIs mostra que parte da expansão no registro desse tipo de negócio nos últimos anos ocorreu por necessidade de parcela da população e não por oportunidade. Sobre o impacto da desaceleração na abertura e queda acentuada nos fechamentos, Lúcia avalia como um efeito de realocação, mesmo que em um ambiente com vagas de menor qualidade e com direitos limitados:
— Estamos vivendo uma realocação no mercado de trabalho. Não há uma perda significativa porque as pessoas deixaram de ser MEIs, porque elas estão ocupadas, no processo de geração de renda. Essas extinções estão se dando em um momento com o trabalho de carteira assinada em ascensão.
A economista Lisiane Fonseca da Silva afirma que o aumento da extinção dos MEIs tem reflexos distintos na economia e no mercado de trabalho. O primeiro ocorre no âmbito de uma melhor organização orçamentária de parte dos trabalhadores que voltam ao modelo de contratação tradicional. Isso porque esses profissionais conseguem ter uma previsibilidade maior sobre rendimentos.
O segundo movimento ocorre no caso dos empreendedores que acabam fechando o negócio por falta de tração nos negócios. Esse contingente pode alimentar outro segmento do mercado de trabalho, segundo a professora:
— Na medida que a pessoa não tem mais o MEI, ela vai trabalhar de maneira informal. Ela vai receber pelo serviço, mas de clientes que não vão exigir nota fiscal. Isso é um risco em algumas circunstâncias.