O Supremo Tribunal Federal (STF) pode terminar na semana que vem o julgamento de uma ação que se arrasta há 26 anos na Corte. O que está em discussão é a adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que trata sobre a demissão sem justa causa.
A análise começa nesta sexta-feira (19), em plenário virtual, e deve ser encerrada na próxima sexta (26).
O tratado estabelece que os empregadores devem fornecer um motivo justo para a demissão de empregados. A convenção não acaba com a dispensa sem justa causa, mas, na prática, pode levar a mais questionamentos na Justiça sobre o fim da relação profissional.
Demissões sem justa causa não serão proibidas pelo STF; entenda a confusão
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O tratado diz que "não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço".
De forma geral, os motivos apontados pela convenção como não constituintes de causa justificada já são considerados discriminatórios — e, portanto, não permitidos para embasar uma demissão. Entre eles estão razões relacionadas a raça, cor, sexo, gravidez, filiação a sindicato e apresentação de queixa contra empregador.
O que muda, caso a convenção seja adotada, é que o empregador será obrigado a dar uma explicação ao funcionário demitido. Se o motivo apontado não for plausível e comprovável, órgãos como sindicatos e o Ministério Público do Trabalho (MPT) podem questionar a demissão na Justiça.
A exigência de um motivo justo parte do pressuposto que toda a sociedade arca com o custo do desemprego.
— O objetivo é convergente com a doutrina da OIT, de proteção do trabalho, que entende que a dispensa é uma prática que tem custos socioeconômicos para toda a sociedade — disse o professor Antonio Rodrigues de Freitas, do Departamento de Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (USP).
Para o pesquisador, a Convenção 158 representa "um salto de transparência da decisão empresarial".
Histórico
O Brasil aderiu à Convenção 158 em 1996, após ratificação do Congresso e promulgação do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Meses depois, o tratado foi denunciado pelo presidente — ou seja, ele decidiu, por decreto, não aplicar a convenção. Esse decreto foi questionado no STF por supostamente ferir a autonomia do Congresso de deliberar sobre tratados internacionais.
Na sessão virtual que foi aberta nesta sexta, apenas três ministros ainda devem votar: Gilmar Mendes, André Mendonça e Kássio Nunes Marques. Vários ministros que já publicaram seus votos se aposentaram, mas suas posições são mantidas e seus sucessores na Corte não se manifestam.
Até agora, cinco ministros votaram para não aplicar a convenção - o relator, Maurício Corrêa, e os ministros Ayres Britto, Dias Toffoli, Nelson Jobim e Teori Zavascki. Outros três (Joaquim Barbosa, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski) votaram para derrubar o decreto que anulou o tratado.
Mesmo se a medida do ex-presidente que revogou a convenção for anulada, ainda é incerto o que acontecerá depois. Os ministros podem decidir que os efeitos do tratado são válidos desde 1996 ou apenas após o encerramento do julgamento na Corte. Também podem deixar o Congresso decidir.
O tema é acompanhado de perto pela indústria. O diretor jurídico da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Cassio Borges, defendeu que o presidente tem competência para anular um tratado internacional. Também disse esperar que o STF "considere a necessidade de preservar a segurança jurídica e reconheça a validade das demissões sem justa causa consolidadas no passado, notadamente após transcorridos 26 anos da denúncia da Convenção 158 da OIT".
Freitas avalia que, em outros países, a convenção acabou sendo pouco ratificada por pressão patronal.
— Empregadores tendem a insistir na tese de que é uma questão contratual. Qualquer ingerência, qualquer procedimentalização da dispensa (eles veem) como limitação.