Depois de informar, na sexta-feira (26), em Porto Alegre, que a Refinaria Alberto Pasqualini (Refap), em Canoas, foi retirada da lista de ativos destinados à privatização, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, anunciou, nesta segunda-feira (29), em Rio Grande, que a Refinaria de Petróleo Riograndense (RPR) receberá investimentos de R$ 45 milhões para dar início à fase de testes industriais para produtos petroquímicos e combustíveis 100% renováveis. Significa que a unidade gaúcha, hoje gerida pela estatal brasileira, juntamente com a Braskem e a Ultra, será a primeira biorrefinaria brasileira.
Na prática, o acordo de cooperação assinado prevê a primeira fase de avaliações em novembro, com estimativa de cinco dias. A segunda ficou pré-agendada para junho do ano que vem. A ideia, nesta etapa, é atestar que existe possibilidade de produção satisfatória de biodiesel na planta e também para atingir as especificações estipuladas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) para a comercialização desse tipo de combustível.
Nas palavras de Prates, “em parceria com os nossos sócios na RPR, estamos avançando e perseguindo a descarbonização dos nossos processos, gerando produtos com conteúdo renovável, mais sustentáveis e eficientes para a sociedade”. Isso acontece, porque o biodiesel é uma fonte de energia renovável caracterizada por baixos índices de poluição.
A movimentação, na avaliação do ex-superintendente de Abastecimento da ANP e economista-chefe da ES Petro, Edson Silva, demarca a sintonia “necessária” da Petrobras com a dinâmica da transição energética de uma economia fundamentada em carbono (petróleo) para outra descarbonizada (biocombustíveis). Da mesma forma que o etanol responde por um percentual na composição da gasolina (ou seja, diminui a quantidade de combustível fóssil na fórmula), o biodiesel que deverá ser produzido pela RPR é adicionado ao diesel comum, que é um dos derivados do petróleo.
O especialista afirma que se trata de outro episódio de “pioneirismo” na trajetória da Riograndense, considerada também a primeira refinaria a entrar em operação no país, na década de 1930. Mais do que isso, Silva acredita que o aporte permite reposicionar a empresa no mercado. Segundo ele, a RPR “perdeu seu peso ao longo do tempo”, mas já foi uma das mais importantes e teve o auge em 2012, quando processou 934 milhões de litros de petróleo. Atualmente, representa somente 0,6% da demanda por refino no país.
— Esse investimento reposiciona a RPR. Não será uma refinaria expressiva, até pelo seu porte, mas o objetivo não é esse, e sim o de aumentar a capacidade, coisa que, aliás, já ocorre, pois no primeiro trimestre o processamento avançou 169% na comparação com 2022. De modo que o que assistimos, agora, é curioso. Foi a primeira refinaria e vai ser a primeira biorrefinaria. É algo icônico para entender o vaivém dos investimentos, sobretudo os da Petrobras nesse segmento ao longo dos anos.
Participação nos principais marcos do petróleo
Inaugurada durante as comemorações da Independência do Brasil, em 7 de Setembro de 1937, em Rio Grande, a então denominada Refinaria Ipiranga foi a primeira a processar petróleo no país. Mas o início da trajetória do grupo remete a 1933, há exatas nove décadas, quando os empresários brasileiros João Francisco Tellechea e Eustáquio Ormazabal se associaram a empresários argentinos e fundaram a Destilaria Rio-Grandense de Petróleo S/A, em Uruguaiana, na Fronteira Oeste do RS.
No ano seguinte ao início das operações em Rio Grande, por força de um decreto, assinado por Getúlio Vargas em abril de 1938, a industrialização do petróleo foi nacionalizada ao ficar definido que só poderiam ser acionistas de refinarias os brasileiros natos, o que gerava conflitos em razão da composição do Grupo Ipiranga.
Após rearranjos para recomprar a participação dos estrangeiros, em 1997, uma nova lei reconduziu as diretrizes do setor petrolífero do país para a iniciativa privada, algo que não acontecia desde 1953. Na esteira dessa lei, a 9.478, os mecanismos de preços, produção e vendas das refinarias existentes seriam desregulamentados, inclusive nas privadas. Entre elas, estava, outra vez, o então Grupo Ipiranga, hoje, Refinaria Riograndense.
Nesse momento, a empresa encerrava um período de 45 anos de restrições impostas à sua produção, devido a um acordo de transição fixado no passado e que limitava a capacidade anual de processamento de petróleo. Em 1999, atingiu a marca de 12 mil barris refinados diariamente, uma alta de 30% sobre os níveis permitidos até então.
Com mais flexibilidade e o aproveitamento das unidades em consonância com as demandas do mercado, sobretudo de diesel, em março de 2007 o controle acionário das Empresas Petróleo Ipiranga foi vendido e adquirido por Petrobras, Ultrapar e Braskem. Em 2009, assumiu a nova identidade e passou a se chamar Refinaria de Petróleo Riograndense (RPR), mesmo ano em que alcançou 13.858 barris/dia. Hoje produz em média 15 mil barris a cada 24 horas.
Novo modelo de negócios é promissor, dizem especialistas
O diretor da consultoria do setor petroquímico Maxiquim, João Luiz Zuñeda, explica que o mercado em que a Refinaria Riograndense será inserida, o de biodiesel, tem muito potencial. Ele lembra que, em 2022, as distribuidoras nacionais revenderam 63 bilhões de litros de diesel.
Nesse cálculo, comenta, estão incluídos percentuais de biodiesel acrescentados à fórmula, hoje, em torno de 10%. E a tendência é que a demanda aumente com o passar dos anos, em razão de movimentações que preveem elevar essa adição mínima de biodiesel em cada litro de diesel.
— É preciso olhar esse anúncio por dois aspectos. O primeiro e mais importante é a retomada dos aportes na refinaria mais antiga do país e que está ao lado de um grande porto, o que gera benefícios para a cidade de Rio Grande e todo o Estado. Os biocombustíveis são o tema do momento no mercado mundial e tem evolução garantida na demanda interna — destaca.
O ex-diretor da ANP, Edison Silva complementa, ao dizer que a Riograndense continuará processadora de petróleo e, simultaneamente, uma produtora de biodiesel. Na prática, isso permitirá elevar a capacidade de refino (refinaria), uma vez que ao processar mais derivados fosseis reduzirá a pegada de carbono com a produção de produtos 100% renováveis (biorrefinaria).
Mais sobre a refinaria
- Empregos gerados hoje
- 320 vagas diretas
- 150 contratos terceirizados
- 2 mil postos de trabalho indiretos na cadeia produtiva
- Vendas de produtos
- Em 2022 as vendas de derivados atingiram o volume de 772 mil metros cúbicos, alta de 1,4% sobre 2021
- No ano passado foram comercializados 73 mil metros cúbicos de diesel S10, o maior volume da história.
- Em igual período, a refinaria entregou 71 mil metros cúbicos de nafta petroquímica, o maior volume desde 2009.
- Produção e mercados
- A participação da refinaria no mercado gaúcho de derivados de petróleo foi de 7,5% em 2022
- No ano anterior respondia por 11% dos derivados de petróleo do RS, mas implantou estratégia de abertura de novos mercados para captura de melhores retornos
- Foram 29 mil metros cúbicos pelo modal marítimo (cabotagem) no mercado nacional e 43 mil metros cúbicos para países do Mercosul.
- O volume total de exportações, marítimas e rodoviárias, atingiu 52 mil metros cúbicos em 2022
- Com a produção de biodiesel e a localização próxima do Porto de Rio Grande, a refinaria está apta a desbravar outros mercados internacionais