O esforço brasileiro para ganhar impulso com o crescimento chinês e avançar em áreas como tecnologia, sustentabilidade e infraestrutura precisa superar desafios para se concretizar.
Eles incluem aumentar a competitividade por meio de ajustes que reduzam a burocracia e simplifiquem o sistema tributário para confirmar o interesse de investidores, além de aprimorar e diversificar os produtos exportados a fim de explorar novas oportunidades trazidas pela explosão de uma nova classe média chinesa. Previsões indicam que essa classe intermediária deve dobrar de tamanho e chegar a 800 milhões de pessoas até 2035.
Professor de economia da New York University Shanghai, Rodrigo Zeidan lembra que os protocolos assinados entre os governos do Brasil e da China durante a recente visita de Luiz Inácio Lula da Silva a Pequim ainda são pouco mais do que boas intenções.
– Os acordos servem mais para representar a volta ao normal das relações diplomáticas, depois de o governo brasileiro anterior ter demonstrado uma retórica até xenofóbica. Servem para deixar claro que os investimentos são bem-vindos. Em um mundo polarizado como temos hoje, isso é importante. É uma sinalização de longo prazo – analisa Zeidan.
Para se converterem em oportunidades de negócio e geração de emprego de fato, a diretora-executiva do CEBC, Cláudia Trevisan, sugere que União e Estados preparem o terreno.
– Os chineses têm preocupações semelhantes às de investidores de outros países. Há questões tributárias envolvendo painéis solares, baterias elétricas e mesmo carros elétricos, por exemplo, que tornam mais vantajosa a importação dos produtos do que a fabricação aqui. Precisamos ter ajustes de legislação e tributação que estimulem a produção local – diz Cláudia.
Um trecho do estudo do CEBC chamado Sustentabilidade e Tecnologia como Bases para a Cooperação Brasil-China aponta: “O Brasil precisa adotar políticas públicas que levem ao adensamento dessa cadeia produtiva e tornem mais vantajosa a produção de baterias e veículos elétricos no país do que a sua importação. A parceria com a China pode contribuir para o alcance dessa ambição. Entre os empecilhos para que isso ocorra está o sistema tributário nacional, que impõe um peso maior em impostos sobre os veículos elétricos do que os a combustão. A mesma lógica se aplica aos painéis solares”.
Parte dessas demandas pode ser atendida pela reforma tributária que deverá ser discutida nos próximos meses no Congresso. Outro desafio será aumentar o valor agregado das exportações brasileiras para os asiáticos. Nos últimos anos, o país embarcou sobretudo grãos (soja), minérios, combustíveis minerais e carnes – produtos com pouco ou nenhum processamento. Enquanto isso, 2019 marcou uma virada no mercado chinês: pela primeira vez, de acordo com estudo do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, os orientais passaram a importar mais produtos prontos para consumo.
Uma década atrás, eram gastos mais de US$ 60 bilhões em produtos não processados e menos de US$ 30 bilhões em itens industrializados. O crescimento da classe média, fruto do enriquecimento recente, fez disparar a busca por processados: somaram quase US$ 60 bilhões em importações em 2019.
– Quando morei lá a primeira vez, em 2004, era difícil achar queijo no supermercado. Hoje, são os maiores importadores de produtos lácteos do mundo. Então tem um mercado enorme a ser explorado. Mas isso demanda do Brasil criar marcas que sejam reconhecidas pelo consumidor chinês. Precisamos diversificar as exportações e agregar valor a elas – afirma Cláudia Trevisan.
A China vai crescer acima da média mundial, puxar o crescimento do PIB global e criar novas oportunidades inclusive para o Brasil
TATIANA PRAZERES
Secretária de Comércio Exterior
A necessidade de incrementar os itens exportados também se explica pelo plano estratégico de Pequim de aumentar a segurança alimentar de sua gigantesca população de 1,4 bilhão de habitantes ampliando a produção interna e reduzindo a necessidade de contar com lavouras e criações de animais de outros países. Para isso, pesquisam até o desenvolvimento de proteínas sintéticas. Esse é um desafio inclusive para o Rio Grande do Sul, que entre 2012 e 2021 exportou principalmente soja, fumo não manufaturado, pasta química de madeira, carne de suíno congelada e óleo de soja.
Vice-presidente da seção gaúcha da Agência de Comércio Brasil-China, Jorge Burmann observa que o Estado busca a liberação de novas plantas de abate de gado e suínos, mas também vê no horizonte uma oportunidade de diversificar a pauta de exportação por meio de itens lácteos, como iogurtes e queijos. Outras oportunidades são vinhos e carnes à base de vegetais.
– Exportar matéria-prima in natura, como soja, não é a melhor lógica. Temos de agregar valor. Vamos organizar um debate ainda no primeiro semestre sobre a aproximação com a China, quais são os nossos desafios e o que podemos fazer para agregar valor à nossa produção – afirma Burmann.
Outro possível obstáculo a ser enfrentado é a redução na velocidade de crescimento do país asiático. O avanço do PIB recuou de 8,4% em 2021 para 3% no ano passado, e deve ficar em torno de 5% agora. Essa tendência recente, porém, não preocupa a secretária de Comércio Exterior do governo federal, Tatiana Prazeres:
– Uma desaceleração do crescimento para 5%, considerando o tamanho da economia chinesa, não é algo ruim. Ao contrário, a China vai crescer acima da média mundial, puxar o crescimento do PIB global e criar novas oportunidades inclusive para o Brasil.