Depois de quase um mês de intensas negociações, o relatório do novo arcabouço fiscal na Câmara dos Deputados está pronto, mas ainda vai levar alguns dias para ser votado. O texto foi apresentado pelo relator, Cláudio Cajado (PP-BA), em coletiva de imprensa na manhã desta terça-feira (16). Embora tenha afirmado que a proposta está pronta, ele disse que haverá uma nova rodada de conversas com bancadas para receber novas sugestões, após a entrega do relatório — o que deve ocorrer ainda nesta terça.
O texto foi fechado após reunião na residência oficial do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), na noite de segunda-feira (15). Líderes partidários presentes fecharam um acordo para endurecer a nova regra para controle das contas públicas proposta pela equipe econômica e decidiram levar à votação nesta semana apenas a urgência (tramitação acelerada) da proposta. O próprio Cajado confirmou na coletiva desta manhã que a urgência será posta em votação na quarta (17), e o mérito do texto será analisado na semana seguinte, no dia 24.
— O relatório ontem (segunda) foi apresentado no colégio de líderes, na presença do presidente da Câmara, Arthur Lira, que convidou todos os líderes partidários, ao lado do ministro Haddad, e a repercussão, no colégio de líderes, foi muito positiva — afirmou Cajado, na coletiva desta terça.
O relator destacou o trabalho "exaustivo" na construção de um texto que fosse "o equilíbrio entre todos os pensamentos plurais que existem aqui na Câmara".
— Nós esperamos que haja um acordo para que não tenha nem destaque, nem emenda, muito menos sanção — comentou.
O deputado disse que a lei proposta é "moderna" e pediu que os jornalistas evitem o termo "arcabouço" para se referir à nova regra fiscal.
— É regime fiscal sustentável (título de preferência dele). A gente não fala em arcabouço, nunca gostei dessa palavra, remete a ossada, restos mortais.
Mínimo e Bolsa Família blindados
O relator afirmou que, de acordo com o texto, o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo e o pagamento do Bolsa Família — dois carros-chefe da política petista — ficam garantidos mesmo se o governo descumprir a meta fiscal (saldo entre as receitas e as despesas, sem contar os juros da dívida). Isso significa que esses gastos ficarão blindados, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, das novas sanções (travas de gastos) incluídas na regra caso o governo não atinja a meta estipulada.
O relator explicou que o acompanhamento das contas públicas e a elaboração de relatórios serão mantidos bimestralmente para monitorar despesas e receitas do governo. Caso necessário, será obrigatório a realização de contingenciamento (bloqueio de recursos), como é hoje.
As despesas com Fundo Nacional de Ciência e Tecnologia, no entanto, não poderão ser contingenciadas. O texto inicial, enviado pela Fazenda, tornava os contingenciamentos opcionais.
Gatillhos
Caso a meta não seja atingida, no primeiro ano de descumprimento, serão acionados "gatilhos" previstos na Constituição. Pelo texto, o governo ficará proibido de criar cargos que impliquem aumento de despesa, alteração de estrutura de carreira, criação ou majoração de auxílios, criação de despesa obrigatória, reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, ampliação de subsídios e subvenções e concessão ou ampliação de benefício tributário.
No segundo ano, se nem mesmo assim houver cumprimento da meta, o governo ficará proibido de realizar reajuste de despesas com servidores, admissão ou contratação de pessoal, ressalvadas as posições de vacância, e realização de concursos públicos, exceto para reposições de vacância.
O texto elaborado pela equipe econômica previa que, caso a meta não fosse atingida, as despesas poderiam crescer apenas 50% da variação das receitas, em vez de 70% — mas não discriminava as medidas que o governo teria de tomar para efetivamente reduzir os gastos. O relatório, portanto, detalha essas medidas e estabelece sanções mais duras no caso de descumprimento da meta.
Ainda que a decisão sugira não haver concordância sobre o texto a ser votado, líderes afirmam que o tempo foi dado para a consulta das bancadas. O pedido de urgência garante que o projeto fure a fila de votação e possa ser colocado em apreciação diretamente no plenário, sem passar por comissões. A disposição de votação acelerada já havia sido sinalizada por Lira ao governo e combinada com líderes partidários.
Pedidos de Lula
Em reunião com a equipe econômica na segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu para que os gastos com a política de valorização do salário mínimo e com o Bolsa Família sejam preservados na nova regra fiscal. Lula concordou com a inclusão dos chamados "gatilhos" para frear o aumento de despesas caso o governo não cumpra a meta fiscal estipulada, mas pediu que os dois programas ficassem imunes às sanções.
No final do mês passado, o Ministério do Trabalho e Emprego anunciou a proposta do governo Lula para a valorização do mínimo: corrigir o piso salarial do país anualmente pela inflação mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) consolidado de dois anos atrás — conforme a regra que vigorou no governo Dilma Rousseff.
Para economistas, essa política de valorização real (acima da inflação) poderia comprometer o funcionamento da nova regra fiscal, já que o aumento do mínimo afeta uma série de outras despesas obrigatórias, como benefícios do INSS, Benefício de Prestação Continuada (BPC) e seguro-desemprego.
Com a nova política, só a Previdência Social teria uma alta média anual de R$ 14,4 bilhões, entre 2024 a 2032, na comparação a um cenário sem reajuste real, nas contas de Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.
Sem crime de responsabilidade
Apesar de confirmar que o texto terá gatilhos para fazer cumprir a meta fiscal, o relator afirmou que não haverá inclusão de crime de responsabilidade no texto.
— Essa questão de você ter medidas, gatilhos e "enforcement" (fazer cumprir a regra) é necessária. Essa parte de criminalização, essas outras questões, elas ficam de fora do texto até porque é outra legislação e nós não estamos nos debruçando sobre ela — disse Cajado.
A proposta do governo prevê que o chefe do Executivo dê explicações ao Congresso caso não cumpra a meta fiscal, mas isso não será considerado uma infração, como o crime de responsabilidade — que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016, por causa das chamadas pedaladas fiscais.