Modelo emergente de mercado que combina atacado e varejo, o chamado atacarejo se expande em ritmo acelerado no Rio Grande do Sul impulsionado por um novo perfil de atuação. Além de ampliar a quantidade de lojas, marcadas por espaços amplos, variedade de produtos e oferta de descontos, o setor vem adquirindo novas características como uma maior proximidade dos centros urbanos e a incorporação de serviços de açougue e padaria.
Em apenas dois anos, a participação desse tipo de autosserviço nas vendas do varejo alimentar, que inclui ainda mercados de menor porte, súper e hipermercados, saltou de 32% para 38% no Estado, de acordo com um levantamento da consultoria NielsenIQ.
O presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, diz ser difícil mensurar com exatidão o número de atacarejos – denominação derivada do fato de atenderem tanto comerciantes intermediários quanto o consumidor final – porque ainda não contam com uma classificação de atividade econômica própria. Mas um monitoramento nacional feito pela NielsenIQ revela que a Região Sul se consolidou como principal foco de crescimento desse tipo de negócio em todo o Brasil no último biênio, com uma disparada de 53%, à frente de outros polos de expansão localizados no Sudeste onde houve uma média de 47% de avanço.
Os dados da consultoria indicam que a quantidade de empreendimentos localizados no Sul saltou de 131, no começo de 2021, para 200, agora. A pesquisa não detalha os dados específicos do Estado, mas informações sobre a abertura de novas unidades confirmam que o Rio Grande do Sul é um dos pontos mais cobiçados pelas marcas atualmente: na semana passada, o grupo catarinense Pereira – o quinto maior do país, com faturamento de R$ 11,2 bilhões no ano passado, conforme ranking da Associação Brasileira dos Atacarejos (Abaas) – inaugurou sua primeira loja em Canoas e tem planos de abrir pelo menos outras cinco até o ano que vem sob a bandeira Fort Atacadista. Viamão e Caxias devem ser contempladas ainda em 2023, e Novo Hamburgo, Gravataí e Porto Alegre nos meses seguintes.
– Um centro de distribuição em São Leopoldo vai atender o Estado, onde também vai funcionar nosso centro administrativo e comercial. Só não viemos antes porque seguimos uma estratégia de nos estabelecermos bem nas praças onde já atuamos antes de chegar a outra – revela o gerente nacional de marketing do Fort Atacadista, Gustavo Petry Custódio, referindo-se à presença anterior em Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e Distrito Federal.
Maior rede nacional do ramo, com uma receita de R$ 74 bilhões no ano passado, o Carrefour já conta com 28 unidades de autosserviço sob o nome Atacadão no Rio Grande do Sul. Destas, 13 foram abertas desde o começo do ano por meio da integração com o Grupo Big. A marca não confirma oficialmente os planos de crescimento para os próximos anos por Estado, mas informa que prevê passar de 341 lojas em todo o país, no ano passado, para 470 até 2026.
A onda do setor também conhecido por cash & carry (ou "pague e leve") chegou com tanta força que moveu até uma das marcas mais tradicionais do ramo supermercadista. O Grupo Zaffari lançou a marca Cestto especificamente para ingressar no universo dos atacarejos e inaugurou seu primeiro estabelecimento do tipo no final do mês passado, em Gravataí. Uma nova unidade deverá ser entregue no ano que vem na Zona Sul de Porto Alegre, na Avenida Wenceslau Escobar, e pelo menos outras quatro já estão no horizonte: mais uma na Capital, em Novo Hamburgo, Canoas e, expandindo-se para fora do Estado, em São Paulo.
Ainda entre os comerciantes gaúchos, o grupo Imec, com sede em Lajeado e responsável pela bandeira Desco, lançou duas unidades no ano passado e tem outras duas novas unidades previstas para este ano (Campo Bom e Sapiranga).
– É mais um formato que chega, caracterizado por uma compra mais demorada, um tíquete (compra média) superior, com mais cara de hipermercado, e que passa a dividir espaço com as lojas de proximidade (que atendem a um público mais local), em que se consegue fazer compras em 10 minutos – avalia Longo.
Novas tendências no segmento ajudam a impulsionar expansão
A disparada dos atacarejos no Rio Grande do Sul vem acompanhada de inovações que procuram tornar esse modelo de autosserviço mais cômodo para o consumidor. Até poucos anos atrás, os empreendimentos costumavam se localizar à margem de rodovias, entre cidades, ou em terrenos afastados. Dentro deles, se achavam principalmente grandes pacotes de produtos não-perecíveis. Agora, as principais marcas estão procurando abrir novas unidades em zonas mais próximas dos centros urbanos e incluir padarias, açougues, áreas de hortifrúti e até restaurantes para disputar os consumidores de perfil "doméstico".
Entendemos que seria melhor estar junto aos centros de consumo
ENEO KARKUCHINSKI
Diretor-presidente do grupo Imec
Uma das mudanças mais perceptíveis na corrida pelos compradores é a localização dos atacarejos. A estratégia desse tipo de negócio envolve oferecer preços mais baratos reduzindo custos por meio de medidas como a unificação dos pontos de armazenagem dos produtos e de venda em um mesmo ambiente (as prateleiras costumam guardar os estoques no alto e os produtos avulsos embaixo), os empreendimentos precisam de terrenos e edificações amplos. Por isso, quase sempre eram erguidos à margem de rodovias ou em pontos mais remotos. Agora, fazem um esforço extra para se instalar mais perto do consumidor final.
– Nossas lojas sempre ficaram perto dos centros urbanos, mas de cidades menores. Chegamos à Região Metropolitana em 2021, em Esteio. Em Porto Alegre, entendemos que seria melhor estar junto dos centros de consumo, oferecendo a metragem mínima que temos no Desco. Com cerca de 2 mil metros quadrados, conseguimos atuar dentro das cidades sem ocupar uma área tão grande – afirma o diretor-presidente interino do grupo Imec, Eneo Karkuchinski.
Outra tendência é a ampliação dos serviços e dos produtos alcançados aos frequentadores. Em vez da simples oferta de grandes embalagens, os atacarejos assumiram parte da identidade dos supermercados mais tradicionais e também passaram a oferecer áreas de padaria e açougue.
– Ano passado abrimos nossa primeira unidade com padaria. Deu tão certo que decidimos expandir. Em algumas lojas, também temos frutas e legumes para consumo imediato, salada de frutas, frango assado – afirma o gerente nacional de marketing do Fort Atacadista, Gustavo Petry Custódio.
Em Canoas, local que marca a chegada da empresa ao Estado, o Fort incluiu até um restaurante. O recém-inaugurado Cestto, do Grupo Zaffari, conforme a assessoria de comunicação da empresa oferece "itens de mercearia até perecíveis frescos, resfriados e congelados, assim como áreas especiais de hortifrutigranjeiros, padaria e açougue, que irão preparar produtos na própria loja". O Desco passou a prever padarias para suas novas unidades de atacarejo a partir de 2021. Antes disso, esse tipo de serviço era oferecido apenas em algumas unidades que atendiam como súper e foram apenas convertidas para o modelo cash & carry.
Conforme a Associação Brasileira de Atacarejos, os produtos perecíveis já chegam a representar até 30% do faturamento de lojas do setor e são um dos segmentos que mais crescem neste modelo de varejo alimentar no país.
Veja galeria de fotos de lojas da Região Metropolitana:
Vendas do setor já somam o equivalente a 2,4% do PIB nacional
Um levantamento divulgado em abril pela Abaas confirma a ascensão desse ramo de comércio em todo o país – estimulado, nos últimos anos, por maior preocupação dos consumidores em buscar descontos nos preços capazes de contornar a inflação elevada e pela crise econômica agravada pela pandemia de coronavírus.
O levantamento produzido pela consultoria NielsenIQ aponta crescimento de 38% no número de lojas no país desde 2021, o que contribuiu para as empresas ligadas ao setor alcançarem faturamento de R$ 239 bilhões no ano passado. O volume de vendas já representa cerca de 2,4% do produto interno bruto (PIB) do país, levando-se em conta apenas duas dezenas de grandes marcas associadas até o momento à Abaas.
Parte desse desempenho se deve ao fato desse modelo de varejo alimentar atrair tanto comerciantes como o proprietário de uma confeitaria no extremo sul da Capital, Júnior Fraga, de 41 anos, e a aposentada Geni Hoffmann, 67 anos. Fraga passou a comprar em atacarejos para abastecer seu negócio pela combinação de variedade de marcas e preço atrativo.
– Faço compras toda semana, pelo menos em dois dias da semana. Comprando-se em maior quantidade, se consegue um preço bom – diz Fraga.
Ele se refere ao fato de que muitos locais oferecem o desconto de atacado para quem comprar uma quantidade mínima de determinados produtos – que pode variar conforme o item. Já a aposentada Geni adquire nesse tipo de comércio de forma mais frequente pelo fato de novas unidades terem sido abertas em zonas mais próximas de onde mora, na Zona Sul.
– Às vezes venho de ônibus, mas agora consigo até vir a pé porque não fica muito longe da minha casa. A proximidade facilita muito. Compro em mercadinho quando é alguma situação mais de emergência – afirma a moradora da Capital.
O presidente da Agas, Antônio Cesa Longo, avalia que a tendência é os consumidores distribuírem suas idas ao mercado entre diferentes modelos de negócio:
– A questão sempre é de custo-benefício. Em alguns momentos, pode ser mais vantajoso se deslocar até um atacarejo. Em outros, ir até um mercado mais próximo, de compra mais rápida.