Estimativas de economistas indicam que o Banco Central (BC) argentino tem hoje cerca de US$ 2 bilhões em reservas líquidas — o dado oficial não é público. Aumentar as reservas internacionais é uma das medidas que a Argentina se comprometeu a adotar para que o FMI continue liberando parcelas de empréstimo.
Na primeira quinzena de março, o próprio FMI concordou em afrouxar a meta. Em documento divulgado à imprensa, disse que a medida "acomodará parcialmente o impacto cada vez mais severo da seca". Segundo o Ministério da Economia argentino informou à mídia local, essa redução da meta deverá ser de cerca de U$S 2 bilhões no ano, para US$ 7 bilhões.
As reservas da Argentina evaporaram porque o BC vem vendendo dólares para tentar sustentar a taxa de câmbio. Se deixar a moeda se desvalorizar ainda mais, a tendência é de que a inflação ganhe mais velocidade.
Por outro lado, o BC emite moeda para financiar os gastos públicos, o que pressiona a inflação. Em fevereiro, o aumento de preços superou 100% pela primeira vez desde outubro de 1991. Chegou a 102,5% no acumulado de 12 meses — um ano antes, estava em 52,3%.
Mudança de padrão
Funcionária da área administrativa de um hospital em Buenos Aires, Laura Reschigna, 52 anos, conta que sua situação financeira foi ficando mais difícil aos poucos em 2021 e se deteriorou no ano passado.
— Eu sempre arranjava algo para estudar, mas tive de deixar de fazer cursos. Cancelei minha linha de telefone fixo, zerei o consumo de roupas e deixei de sair aos fins de semana. Saio só uma vez por mês, quando recebo o salário.
Laura diz ainda que trocou o carro pelo ônibus, porque a gasolina e o estacionamento no trabalho estão muito caros, além de reduzir a compra de lácteos, como queijo e iogurte.
O rebaixamento no nível de vida de Laura aconteceu mesmo com ela conseguindo recompor parte do salário. Em junho passado, recebeu um reajuste de 60% negociado entre o sindicato patronal e o dos trabalhadores. Todos os meses, os sindicatos voltam à mesa para conversar e determinar pequenas correções.
— Ainda assim, não é suficiente. A comida está caríssima. Esses dias pedi uma pizza e custou 5 mil pesos (R$ 123). Não pedi em um restaurante caro. Era um delivery normal. Mas procuro não me queixar, porque estou melhor do que muita gente.
Segundo o economista Nadin Argañaraz, diretor do Instituto Argentino de Análisis Fiscal, o salário médio real do trabalhador formal é hoje entre 20% e 25% menor do que em 2017. No mercado informal, essa redução é de 30% a 35%. Com a queda no salário real e a inflação elevada, chegou a 39,2% a fatia da população abaixo do nível de pobreza.
Perdas do agro
A seca na Argentina também deve elevar o déficit público do país neste ano, que havia caído para 2,3% do PIB em 2022. A meta acertada com o FMI para o ano passado era de 2,5% e, para este, de 1,9%. A tendência, porém, é de que, com uma menor produção agrícola, a arrecadação pública diminua. O Itaú projeta que o déficit voltará a 3% do PIB, pressionado também por um possível aumento de gastos típico de ano eleitoral — a eleição presidencial será em outubro.
Nadin Argañaraz, diretor Instituto Argentino de Análisis Fiscal, diz acreditar que deverá haver um novo debate entre o FMI e o governo diante dessa situação:
— Se o FMI não relaxar a meta, o governo terá de adotar uma política contracionista de gastos muito forte. A seca fará com que o esforço fiscal tenha de ser muito maior.
Outro impacto da seca e da consequente falta de reservas é a redução das importações. O governo vem dificultando o acesso de empresas e consumidores a dólares. Sem a moeda americana, empresas não podem importar algumas matérias-primas e cortam produção.
O economista Juan Barboza, do Itaú, afirma que o governo deve endurecer ainda mais o acesso ao câmbio, na tentativa de impedir uma maior desvalorização do peso.