A dificuldade de pagar as dívidas em dia segue aumentando em Porto Alegre. O percentual de famílias com contas em atraso subiu para 41,4% em março — o índice havia ficado em 35,3% no mesmo período do ano passado e em 39,5% em fevereiro de 2023. Esse é o maior valor no indicador desde janeiro de 2018 e o mais elevado para um mês de março na série histórica com início em 2010. Pagamentos fixos de início de ano, inflação e juros elevados, que corroem o orçamento familiar, e desaceleração da economia são alguns dos fatores que criam ambiente fértil para a escalada da inadimplência, segundo especialistas.
Os dados são de pesquisa mensal da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado (Fecomércio-RS) com base em relatório da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. O estudo é realizado apenas com famílias que moram em Porto Alegre, mas é analisado como retrato de todo o Rio Grande do Sul.
A economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo, destaca que o levantamento é realizado na reta final de cada mês, portanto, os dados de março foram coletados nos últimos dias de fevereiro. Nesse sentido, o indicador ainda pega o efeito de alguns gastos extraordinários de início de ano, como IPTU e IPVA:
— Tem gente ainda pagando IPTU, IPVA. Então, essas coisas apertam o orçamento cotidiano e, obviamente, tem todo o reflexo de inflação e de taxas de juros maiores. Tudo acaba ajudando a empurrar as pessoas para uma situação de maior inadimplência.
O professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maurício Weiss afirma que, além da inflação e do juro em patamares elevados, a falta de tração na economia do país também engrossa a dificuldade de manter as contas em dia:
— Tem essa desaceleração econômica, especialmente no segundo semestre de 2022, e a combinação de juros altos com inflação alta. Fica mais difícil para as pessoas conseguirem renda para o consumo. E elas estão com mais dificuldade de fazer rolagem da dívida, provocando aumento na inadimplência.
Em relação ao impacto nos setores, Weiss aponta que o comércio de bens duráveis, principalmente os ligados a financiamentos e mais dependentes do crédito, é um dos mais afetados pela inadimplência.
Tentativa de evitar o descontrole
Mesmo com a escalada nos lares com contas em atraso, o indicador que mostra a persistência da inadimplência segue baixa.
O percentual de famílias sem condições de pagar nenhuma parte das dívidas atrasadas em prazo de 30 dias caiu para 1,8% – o menor patamar na série histórica. Olhando o recorte de pessoas que têm dívidas em atraso, esse percentual fica em 4,3%. Patrícia afirma que esse movimento mostra que as pessoas em inadimplência seguem tentando evitar o descontrole dessa situação para garantir alguma forma de crédito:
— As pessoas olham para o seu orçamento e tentam pelo menos pagar alguma dessas contas em atraso para talvez evitar um grande acúmulo de dívidas, o que pode levar a uma situação de não acesso ao crédito. Está muito claro que o crédito faz parte do dia a dia do gaúcho, do porto-alegrense.
Desenrola não saiu do papel
Uma das ferramentas do governo federal para tentar auxiliar os endividados, o Desenrola ainda não saiu do papel. Problemas operacionais no programa travam o lançamento, segundo o Planalto. Recentemente, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que a ideia é incluir no sistema operacional toda a dívida que puder ser renegociada.
O fundo garantidor do programa tem previsão inicial de renegociar até R$ 50 bilhões em dívidas, de 37 milhões de pessoas físicas, segundo o governo. Procurado pela reportagem de GZH, o Ministério da Fazenda informou, no último dia 17, que "não comenta programas em formulação" e que dará "ampla divulgação quando o anúncio do Desenrola for definido".
Grupos prestam apoio para negociação
Em meio ao cenário de aumento de inadimplência, Porto Alegre conta com grupos que prestam auxílio a pessoas nessa situação. Um das mais recentes é o Balcão do Consumidor da UFRGS. Inaugurado em março deste ano, o serviço gratuito oferece ajuda aos consumidores que buscam negociar dívidas. A Defensoria Pública do Estado também tem grupo que atua nesse tipo de situação.
A aposentada Eliane Grossini dos Santos, 60 anos, é uma das pessoas que procurou o apoio da Defensoria Pública. Moradora do Morro da Cruz, em Porto Alegre, Eliane acumula dívidas em atraso antigas, como situações envolvendo conta de luz e cartão de crédito de supermercado. O débito mais recente sem pagamento é o financiamento de uma moto, que ela e o marido fizeram para ajudar um dos filhos na aquisição do bem.
Com o orçamento apertado, essa dívida acabou ficando pendente dentro dos pagamentos do mês desde a metade do ano passado. A aposentada atua como faxineira para complementar a renda e garantir o pagamento de contas fixas, como água, luz e internet, e a compra de alimentos e remédios. Ela mora com o marido, Paulo Pereira, 53 anos, que é deficiente auditivo.
Eliane afirma que procura manter as faturas do cartão em dia para ter uma alternativa de crédito para auxiliar nos gastos do mês em um ambiente de preços elevados e renda curta:
— A gente passa um cartão no mês, daí paga esse e depois passa outro. É assim que a gente faz para poder comer e comprar remédio.
Além das obrigações do lar, Eliane e o marido tentam auxiliar financeiramente os netos. Ela diz que perde algumas noites de sono com as contas em atraso e as ligações dos credores cobrando as dívidas. A aposentada afirma que deve parar de trabalhar no final deste ano em razão de tratamento de saúde. Nesse sentido, teme atrasar o pagamento de outras contas.
Para se orientar
Alguns locais para buscar ajuda na negociação de dívidas em Porto Alegre:
Câmara de conciliação – Defensoria Pública:
- O grupo presta apoio a cidadãos que buscam negociar e quitar dívidas, como débitos com bancos, lojas, aluguel e condomínio, sem a necessidade de processo judicial. O serviço é gratuito.
- Local: Rua Mucio Teixeira 110, sala 505. O ideal é contatar o serviço via telefone ou e-mail para agendamento antes de ir ao local para evitar filas de espera.
- Contato: informações sobre contato e cadastro podem ser obtidas pelos telefones (51) 2126-3045 e (51) 2126-3047 e no e-mail nomelimpo@defensoria.rs.def.br.
Balcão do consumidor - UFRGS:
- O serviço gratuito busca auxiliar pessoas no âmbito de questões ligadas ao Direito do Consumidor e de negociação de dívidas sem a necessidade de judicialização.
- Local: entrada da Biblioteca da ONU, no andar térreo da Faculdade de Direito, na Avenida João Pessoa, nº 80, no Centro Histórico de Porto Alegre. O serviço é oferecido às quartas-feiras, das 14h às 18h30min.
- Contato: informações e orientações sobre quais documentos levar em cada situação e agendamentos podem ser obtidas por meio do e-mail balcaodoconsumidor@ufrgs.br.
- Obs.: Em razão do recesso escolar da UFRGS, o atendimento no Balcão do Consumidor da UFRGS está suspenso neste momento e será retomado em 17 de maio, a partir das 17h.