Os desafios políticos e econômicos hoje são muito maiores para tirar o Brasil do mapa da fome, em relação ao que era há 20 anos. A constatação é de José Graziano, ex-diretor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), ex-ministro extraordinário de Segurança Alimentar e responsável pela implementação do Programa Fome Zero no primeiro governo Lula, e atualmente diretor-geral do Instituto Fome Zero.
Antes eram 40 milhões de brasileiros passando fome, concentrados em cidades do interior do Nordeste e da Amazônia. Hoje, afirma Graziano, são cerca de 65 milhões, distribuídos pelas grandes metrópoles nacionais.
Confira a entrevista de José Graziano a seguir:
Como o senhor vê o desafio do governo Lula de ter de equacionar novamente o problema da fome?
A volta do Brasil ao mapa da fome e a sua saída, como esperamos, tem muitos elementos novos. Um dos grandes problemas que tivemos lá atrás era encontrar as pessoas que passavam fome. Hoje, isso está infinitamente mais fácil. Tem novas ferramentas, como o uso da informática. Porém, junto com a fome temos uma epidemia de obesidade, que é assustadora. Há um tema que se acentuou muito na pandemia e no pós-pandemia: a mudança de hábito de consumo. O Brasil caminhava para uma alimentação mais saudável, mas a pandemia interrompeu esse movimento e aumentou a demanda por produtos processados e ultraprocessados. Embutidos de carne, como salsicha substituindo carne, principalmente porque é mais barato.
Então, temos hoje dois problemas: de quem não come e de quem come mal?
Exatamente. As duas questões são urgentes, afetam a saúde. Agora, não comer tem a prioridade absoluta. Mas eu queria agregar mais um elemento. Vinte anos atrás, nossa meta era 40 milhões de pessoas que passavam fome. Não tínhamos nenhum estudo como temos agora sobre a escala brasileira de insegurança alimentar. Não havia informação, era um apagão de números. Então estimamos a partir da renda das Pnads (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE) que eram 40 milhões de pessoas. Hoje esse número é muito maior. Entre situação de insegurança alimentar grave, que é quem não come nada, e insegurança alimentar moderada, que é quem não faz as três refeições diárias, temos 65 milhões de pessoas. Antes, essas pessoas estavam concentradas nas pequenas e médias cidades do interior, principalmente no Nordeste e na Amazônia. Hoje essa população está nas grande metrópoles.
Está mais difícil resolver o problema da fome comparado ao que era 20 anos atrás?
Tem esses novos problemas. Não é apenas fornecer alimentos. A gente consegue identificar as pessoas, mas os programas são mais complexos. No abastecimento, o grande tema é a disparada dos preços dos alimentos e os ultraprocessados estão mais baratos. O varejo passou por uma revolução nos últimos 20 anos, vendendo online, os supermercados reduziram o desperdício. Uma coisa é a disponibilidade de alimento que, no Brasil, é grande. Outra coisa é o acesso. As pessoas não têm acesso aos alimentos, e isso é possível fazer de duas formas: elevando a renda ou por meio de programas públicos, como banco de alimentos, restaurante popular. Todas essas políticas de segurança alimentar são complementares, coadjuvantes.