Com quatro meses consecutivos de crescimento e incertezas em relação ao futuro, a inflação segue retardando o início de cortes da taxa básica de juros, um dos principais pontos de tensão entre o governo federal e o Banco Central. Nesta quinta-feira (9), saiu o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de janeiro, com alta de 0,53% no país.
Mesmo com leve desaceleração ante dezembro, o indicador mostra que a alta dos preços segue persistente. Especialistas afirmam que os dados mais recentes do IPCA e a insegurança sobre o comportamento do indicador no horizonte afastam a possibilidade de redução da taxa Selic no curto prazo.
Em janeiro, o grupo de alimentação e bebidas teve o maior impacto positivo sobre o índice geral, com contribuição de 0,13 ponto percentual. Dentro desse ramo, a maior influência ocorreu por parte da batata-inglesa e da cenoura. Dos nove grupos de produtos e serviços pesquisados, apenas vestuário teve variação negativa em janeiro. Já a maior variação percentual veio da comunicação (veja mais no gráfico abaixo). Nos últimos 12 meses, o IPCA acumulado é de 5,77%.
O professor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS Marcelo Portugal afirma que a inflação anualizada ainda está acima da meta, o que justifica política mais conservadora por parte do BC.
— Não vejo o menor espaço (para redução da Selic nos próximos meses). Se a gente quiser pegar essa inflação acumulada em 12 meses, de 5,77%, e levar para 4%, 3% ainda vamos precisar de juros altos por alguns meses.
A meta de inflação para este ano é de 3,25%, com margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.
Portugal afirma que o primeiro passo por parte do governo federal para reverter esse cenário de inflação elevada é parar de atacar a política monetária e mostrar compromisso com o combate ao aumento de preços, que demanda paciência. Redução forçada da Selic aqueceria a atividade econômica pontualmente, mas não provocaria um crescimento sustentado, segundo Portugal:
— Se o Banco Central for pressionado e baixar o juro antes da hora, pode ter um efeito positivo de curto prazo na atividade, mas negativo sobre a inflação e impacto zero sobre o crescimento da economia no médio e longo prazo.
A divulgação do dado mais recente de inflação no país ocorre em meio à tensão entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Banco Central. De um lado, o chefe do Executivo faz sucessivas críticas ao órgão responsável pela política monetária do país por manter a taxa básica de juros em patamar elevado. No entendimento de Lula, essa postura trava o crescimento do país.
Já o BC reforça preocupação com a inflação persistente. Nesse sentido, a autoridade destaca que seguirá com tom conservador em relação ao juro enquanto a inflação não ceder e deixa a porta aberta para eventuais elevações na Selic em caso de descontroles.
Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Research, afirma que, mesmo em alta, a inflação mostra desaceleração nos últimos meses. Isso ajuda o BC a manter a taxa em 13,75% sem necessidade de novas elevações, mas não cria ambiente para redução da Selic. Sung afirma que a entidade está mais preocupada com o futuro, o que pesa nessa decisão:
— A gente ainda não tem grandes diretrizes de como vai se dar o novo arcabouço fiscal, a reforma tributária. Essa nebulosidade, as incertezas em relação ao rumo fiscal do país fazem com que o prêmio de risco aumente e a taxa de câmbio continua desvalorizada.
O economista afirma que esse cenário nebuloso afasta a possibilidade de redução da Selic ainda no primeiro semestre. Sung estima que esse processo pode começar entre agosto e setembro se o cenário econômico doméstico for favorável.