O Supremo Tribunal Federal (STF) adiou novamente, nesta quarta-feira (30), o julgamento de recurso que pode permitir a “revisão da vida toda” no regime geral de previdência social. A mudança pode conferir aos aposentados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a possibilidade de usar a totalidade da vida contributiva para o cálculo de benefício, e não apenas os salários após julho de 1994, conforme estipulado pela norma de transição vigente. A matéria volta à pauta, nesta quinta-feira (1º), a partir das 14h, com o voto do ministro Alexandre de Moraes.
A tendência é de que a proposta seja aprovada, pois a maioria dos ministros já votou a favor no mês de março, quando a análise foi suspensa por pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques. Na ocasião, o placar ficou em 6 a 5. O relator da ação era o ministro Marco Aurélio, que se aposentou após dar voto favorável. Ele foi substituído por André Mendonça, mas em junho a Corte decidiu que votos de ministros aposentados devem ser mantidos.
Apesar de qualquer aposentado poder solicitar revisão, na prática, o resultado do recálculo pode beneficiar apenas pessoas que tinham média salarial maior antes da data. Atualmente, já existem 10.617 sobrestados (que ocorrem entre outras possibilidades, quando se aguarda pela definição a ser conferida pelo STF) na Justiça brasileira.
A advogada, especialista em direito previdenciário do escritório Favarim, Carina Tomazzoli Santarosa lembra que, mesmo após a decisão, ainda há prazo de recursos, ou seja, a nova regra passa valer apenas após o seu trânsito em julgado. Ela explica que a tese da “revisão da vida toda” discute qual o período de contribuição de um segurado deve ingressar no cômputo do cálculo dessa aposentadoria.
Antes de 1999, comenta, a lei determinava que somente os últimos 36 meses de contribuição compunham o cálculo da aposentadoria. Isso permitia que um segurado pudesse, por exemplo, contribuir a maior parte do período com base no salário mínimo e, nos três anos anteriores ao pedido de aposentadoria, realizasse contribuições pelo valor do teto e, consequentemente, recebesse o benefício posterior no valor do teto.
Do ponto de vista financeiro, a norma era onerosa para os cofres da Previdência Social, motivo pelo qual, em 1999, foi criada a lei 9.876, que alterou a legislação da Previdência Social e passou a prever que, a partir daquele momento, seria considerado no cálculo da aposentadoria todo o período contributivo do segurado (desde o início da vida laboral), e não apenas os 36 meses pregressos à aposentadoria.
Como a alteração feita pela lei de 1999 atingiria as regras de aposentadorias de quem já participava do sistema previdenciário, e essas pessoas poderiam ficar prejudicadas, a mesma lei (9.876) criou uma regra de transição, que excluía do cálculo das aposentadorias os períodos anteriores a julho de 1994. A data foi fixada também para retirar do cálculo do INSS, os planos econômicos que precederam ao Real e tornavam complexa a atualização monetária.
Argumentos em plenário
Em sustentação oral pelo recurso extraordinário do INSS no STF, o procurador-geral federal Miguel Cabrera Kauam argumentou que a aprovação da tese traria prejuízo de R$ 370 bilhões ao sistema de previdência e estimou em 52 milhões o número de pedidos de revisão. A fila, acrescentou, seria formada em sua maioria por pessoas que não têm direito, o que causaria um colapso nos serviços no INSS.
Rebatido pela advogada e conselheira da seccional de Santa Catarina da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Gisele lemos Kravchychyn afirma que apenas 10% dos segurados, entre 2012 e 2019, teriam direito ao benefício. Com base no cálculo conclui que alteração ocasiona despesa mínima e que já possui fundo de custeio, porque, segundo ela, o que “se deseja é a aplicação das contribuições dentro do benefício já fruto de contribuição”.
Advogado e professor especialista em Direito Previdenciário e Tributário e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDT), Diego Monteiro Cherulli confirma que o impacto orçamentário é menor que as estimativas trazidas pelo procurador geral federal, Miguel Cabrera Kauam. Cherulli destacou que Estado não busca incentivar o cuidado com o sistema de previdência pública e que o Artigo 193 da Constituição prevê que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”.
— Que justiça social oferecemos se quem contribuiu não pode usar a contribuição para o cálculo? — questionou.
Tira-dúvidas
- Quem teria direito a revisão da vida toda?
Podem solicitar a revisão os aposentados que tinham média salarial maior antes de julho de 1994 do que no final da carreira para que essa média possa ingressar no cálculo da aposentadoria. Como os benefícios previdenciários têm prazo decadencial de revisão fixado em 10 anos, as pessoas que podem ingressar com a revisão da vida toda são as que tiveram aposentadorias concedias depois da lei 9.876 de 1999, quando mudou a regra, e antes da reforma da Emenda Constitucional 103, de 2019, desde que dentro do prazo decadencial. - O que é preciso considerar antes do pedido?
Para saber se vale a pena fazer a revisão, é preciso colocar o cálculo em uma planilha e simular. Até porque as contribuições anteriores a julho de 1994 envolvem planos econômicos diferentes do Plano Real e demandam uma conversão de moedas e atualização monetária. - Que documentos são necessários?
A base de dados do Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) do INSS foi instituída em 1989. Por isso, são poucos os registros pregressos a essa data, razão pela qual o segurado precisará ter em mãos documentos da época capazes de comprovar os salários, preferencialmente, mensais. A carteira de trabalho é importante, mas além dela é recomendável contracheques, folhas de pagamento e algo que mostre qual era o salário, efetivo, pois o ônus da comprovação é sempre do aposentado. Sem a documentação, a base passa a ser o salário mínimo, o que derrubaria as vantagens do benefício. - A que se deve ficar atento?
Os benefícios previdenciários têm prazo decadencial de revisão fixado em 10 anos. Ao se considerar esse período, que começa a contar a partir da efetivação do depósito do primeiro pagamento do primeiro benefício, as aposentadorias recebidas antes de novembro de 2012 já estão fora da nova regra, salvo se já tenham ingressado com pedido por via judicial ou administrativa (no INSS), pois isso interrompe o prazo de decadência. - Quem quiser revisar, precisará acionar o INSS na Justiça
Se a pessoa calcula e conclui que vale a pena pedir a revisão, é preciso fazê-lo logo para interromper o prazo decadencial. No caso administrativo, feito direto no INSS, o pedido não será analisado. Nos judiciais, após o ingresso, a ação fica sobrestada, ou seja, em espera pela decisão do Supremo. Mas a partir da manifestação pelo direito, em ambos os casos, o prazo decadencial é interrompido, o tempo pode passar, mas o direito a revisão estará garantido.