O aperto monetário em economias globais pode afetar o Brasil em diferentes frentes. Nesta semana, os bancos centrais de alguns países desenvolvidos, como Estados Unidos e Inglaterra, confirmaram novo aumento da taxa básica de juros. Esse movimento abre caminho para desaceleração ou recessão na atividade econômica nos próximos meses, que deve respingar no Brasil. Especialistas ouvidos pela reportagem avaliam que o pé no freio na demanda internacional tem efeitos diversos. Por um lado, a perda de tração em outras nações pode afetar as exportações e o câmbio no país. Por outro, esse processo pode antecipar o início do corte da Selic ao aliviar a pressão de preços.
O economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), André Nunes de Nunes, avalia que a desaceleração da economia dos Estados Unidos e de alguns países europeus nos próximos meses não deve afetar a política monetária do Brasil de maneira mais agressiva. Nunes projeta que o apetite menor de algumas economias terá impacto maior nas exportações.
— Vai ter o impacto, principalmente nos setores exportadores, porque a demanda externa reduz. A gente sabe que a indústria do Rio Grande do Sul tem um faturamento relativamente mais dependente das vendas para o Exterior. Então, esse é o principal canal de impacto que a gente vê no momento.
Por outro lado, o economista-chefe da Fiergs afirma que a alta de juros e a desinflação em outros países poderão ajudar o Brasil no corte da Selic. Isso ocorre porque a recessão mundial pode diminuir a pressão nos preços:
— Se todo mundo está tentando controlar a inflação ao mesmo tempo, isso acaba nos ajudando. Então, o efeito que vem de uma recessão externa é desinflacionário. E isso vai nos ajudar a controlar a inflação e a reduzir a taxa de juros um pouco antes.
Alex Agostini, economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating, também cita essa possibilidade. Agostini afirma que a retração na economia global pode afetar os preços de insumos e matérias-primas:
Se a gente tiver uma recessão global, muito provavelmente vai ter uma queda significativa de commodities, que puxaram muito os preços dos alimentos nos últimos anos.
ALEX AGOSTINI
Economista-chefe da agência de classificação de risco Austin Rating
— E esse recuo de preços de commodities pode ajudar a dar um alívio na inflação ao consumidor. Por sua vez, isso traz um alívio também na questão dos juros. Então, é um cenário possível. Ou seja, a recessão global desacelerar os níveis de preço e isso fazer com que a curva de juros, que tem previsão de cair entre maio e junho, comece a ter uma redução antes.
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, afirma que uma eventual antecipação do recuo do juro no país pode aliviar a pressão das dívidas sobre os orçamentos familiares. Uma Selic mais baixa diminui o peso de dívidas atreladas a esse indicador, reduz potencialmente a inadimplência e impulsiona o consumo.
— Quanto mais cedo a gente conseguir fazer com que o ciclo de juros comece a ficar menos restritivo, mais espaço você encontra dentro do orçamento das famílias para novo consumo. E novo consumo é que faz efetivamente a atividade econômica acontecer — destaca Patrícia.
Quando você tem taxa de juros mais baixa, você tem menos estímulo à poupança e mais estímulo ao consumo.
PATRÍCIA PALERMO
Economista-chefe da Fecomércio-RS
O Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) do Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, decidiu elevar a taxa dos Fed Funds em 0,75 ponto percentual, para a faixa entre 3% e 3,25% ao ano. Esse é o quinto aumento consecutivo de tal amplitude pela instituição. Nesta semana, bancos centrais de outros países, como Inglaterra e Suíça, também elevaram o juro básico.
Demanda doméstica e câmbio
O economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira, afirma que o BC está mais preocupado com a demanda doméstica, que está crescendo mais do que o PIB diante da injeção de benefícios. Esse é um dos fatores explicam a projeção de manutenção da taxa básica de juros elevada por período prolongado. Portanto, uma eventual recessão global teria efeito menor dentro desse processo, segundo o economista. Oliveira avalia que o pé no freio promovido pelos bancos centrais de outros países teria impacto maior no câmbio:
— O cenário para mercados emergentes é mais desafiador, quando você tem aumento de juros internacionais. Dificilmente veremos o real valorizando em um cenário em que o Fed Funds Rate (taxa básica de juros dos EUA) vai continuar subindo. Se a moeda local tende a depreciar por um fator externo, significa que um canal de transmissão da política monetária, a apreciação cambial, deixa de ajudar na luta contra a inflação.
Principais altas de juros no mundo nesta semana
EUA
- O Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu elevar a taxa dos Fed Funds em 0,75 ponto percentual, para a faixa entre 3,00% e 3,25% ao ano.
Suíça
- Banco Central da Suíça aumentou sua principal taxa de juros em 0,75 ponto percentual, de -0,25% a 0,50%.
Noruega
- BC da Noruega elevou juro básico em 0,50 ponto percentual, aumentando a taxa para 2,25%.
Inglaterra
- O Banco da Inglaterra também decidiu elevar sua taxa básica de juros em 0,50 ponto percentual, a 2,25%.