A 37 dias das eleições presidenciais, o ministro da Economia, Paulo Guedes, desembarcou em Porto Alegre, nesta sexta-feira (26), para ministrar uma palestra, promovida pela Associação da Classe Média (Aclame) na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) e traçar o que, na avaliação dele, foram os principais avanços e desafios enfrentados pelo país nos últimos três anos. Sem atender a imprensa, discursando para cerca de 600 pessoas, que pagaram ingressos de R$ 120, Guedes traçou cenário em que o Brasil caminha na contramão das dificuldades econômicas do planeta e reencontra plenas condições de crescimento.
— O Brasil está saindo da clínica de reabilitação, enquanto os demais países ainda estão no baile funk bêbados e a polícia está batendo — ironizou.
Para sustentar o tema do evento — “Brasil uma potência econômica em crescimento” —, o ministro tratou de temas como dívida pública, Produto Interno Bruto (PIB), geração de emprego, controle da inflação, socorro aos Estados durante a pandemia, políticas sociais, digitalização da economia e perspectivas de investimento privado. Para ele, a grande mudança de rumos está na substituição da lógica do investimento público como motor da economia para a da maior participação privada.
— Quando o FMI (Fundo Monetário Internacional) dizia que o PIB cairia 10% em 2020 e caímos 3,9% foi por essa revisão de modelos. Aplicava-se o percentual de investimento público para chegar ao dado e eu já respondia que seria diferente porque havíamos invertido essa lógica para o setor privado — declarou o ministro.
Nesse contexto, Guedes projetou que o país conta, atualmente, com R$ 150 milhões “pagos antecipadamente” pelo direito de investir no Brasil pelos próximos 10 anos. São empresas que, segundo ele, aportarão recursos em segmentos como portos, saneamento, aeroportos, ferrovias, geração de energia, entre outros.
O "posto Ipiranga" do presidente da República justificou a falta de avanços nas chamadas reformas estruturantes, como a administrativa e a tributária, pela necessidade de socorrer a população e aos Estados e municípios durante a pandemia de covid-19. Guedes argumentou que as ações do governo foram responsáveis por garantir a renda de 68 milhões de brasileiros e assegurar 11 milhões de postos de trabalho, mas não citou de onde viriam as receitas necessárias para arcar com pelo menos R$ 55 bilhões se o Auxílio Brasil for mantido em R$ 600 em 2023, tampouco de onde viria a compensação para os Estados pela desoneração de ICMS sobre combustíveis, energia e telecomunicações, nem sobre o descumprimento do teto de gastos e a persistência da inflação nos alimentos.
— As economias de mercado dependem de uma imensa classe média que é feita por uma grande classe empresarial e o governo tem a tarefa de aparar as arestas sociais que permanecem. Encontramos o Brasil no chão com estatais quebradas e fundos de pensão inflados. Um modelo estatista que rompeu com a democracia e estagnou o país. Levantamos o país, a pandemia nos derrubou e já estamos em pé outra vez — disse o ministro da Economia.
Emprego e crescimento
Aplaudido em diversas ocasiões e saudado com gritos de “mito dois” que vinham da plateia, Guedes prosseguiu com o desenho de um panorama otimista. Recordou que assumiu o cargo, em 2019, com uma taxa de desemprego de 12% que deverá, de acordo com seus prognósticos, chegar a dezembro em patamar próximo a 8%, que seria o “mais baixo em décadas”. Na verdade, porém, a taxa esteve abaixo disso há menos de 10 anos. Quando o índice passou a ser calculado com base na Pnad Contínua, em 2013, o percentual de desempregados era de 6,3% - o menor registrado desde então.
Para o crescimento do PIB, o ministro fala em 2,5% ao ano em 2022 e afirma que o resultado só não será maior em razão da política de juros em elevação, necessária para o controle da inflação. Mas projeta que o ciclo de aperto monetário no restante do planeta seja mais prolongado.
— Não será de três meses. Só que o Brasil tá limpinho e arrumado. Só crescemos 2,5% porque os juros estão lá em cima. Nosso novo modelo estrutural baseado em investimento privado nos permite isso — avaliou.
Falando na casa das indústrias do Estado, a Fiergs, o ministro exaltou os três decretos para redução de 35% do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o mais recente com a inclusão de 175 itens, como automóveis e eletrodomésticos. Guedes defendeu que o tributo seja zerado e o definiu como “imposto de desindustrialização em massa”.
— Temos que zerar o IPI. Se reduzimos 35% é um bom começo, mais 35% ali na frente, faltam outros 30%. Vamos fazer muito integralmente — prometeu.
O ministro antevê que a reorganização das cadeias mundiais, principalmente a de semicondutores, concentrada na Ásia, tende a gerar novas oportunidades para a indústria nacional, mais próxima e “amigável” aos países da Europa e dos Estados Unidos. Aliás, ao lado da segurança alimentar e das alternativas geradas com a economia verde, esse foi o fator, definido por Guedes, como crucial para que a percepção e o tratamento dado ao país nos Fóruns internacionais como o G-20 e a OCDE tenham mudado ao longo do tempo.
— Tem espaço pra voar por três ou seis anos. Vários países tiveram crescimentos surpreendentes mesmo sem grandes taxas. Com tanta regulamentação ineficiente, às vezes basta remover obstáculos que a máquina se destrava. Os investimentos já estão chegando dentro de uma reconfiguração com o setor privado — reforçou.
Orçamento e déficit
Durante a apresentação de mais de uma hora, Paulo Guedes ainda expôs argumentos como “nunca se transferiu tanta renda aos pobres”, “nos acusam de populismo fiscal, mas pegamos o país com déficit e vamos produzir um pequeno superávit”, “a relação dívida/PIB era de 76% quando assumimos e, mesmo com a pandemia, está em apenas 78%” e “fizemos a guerra (pandemia) e pagamos pela guerra”.
Um problema político ainda aguardando solução, segundo o ministro, é o engessamento do orçamento. Segundo ele, 96% do montante está “carimbado, obrigatório e indexado”. Para Guedes, na esteira dessa realidade surgiu o chamado orçamento secreto, que destina R$ 15 bilhões para emendas parlamenteares.
— Isso foi uma criação da oposição para afrontar o governo. A política é o ato de gerir recursos. O orçamento secreto, as emendas impositivas, representam menos de 1% do orçamento que é de R$ 2 trilhões em receitas discricionárias. Mas a classe política está se deixando ofender por falta de vontade política de mudar, assim como seria preciso alterar os financiamentos de campanha e outros aspectos — criticou.