Uma tempestade para a economia brasileira está formada no horizonte. Na mesma data em que o banco central dos Estados Unidos, o Fed, elevou os juros daquele país na maior magnitude registrada em 22 anos, o do Brasil chegou ao seu nível mais elevado desde 2017 (12,75%), com projeção de nova alta em junho. O resultado imediato dá amostragem dos efeitos: novo estouro para o dólar,que fechou a quinta-feira em alta de 2,30% e voltou a romper a barreira dos R$ 5.
Por trás das movimentações de mercado, entretanto, está a tentativa de frear os avanços de uma inflação descontrolada e persistente, em razão da pandemia e da guerra na Ucrânia. O problema é que, por aqui, dizem os economistas, o remédio se tornou tão nocivo quanto a própria infecção, e o novo choque anunciado na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de quarta-feira (4) traz na bagagem a perspectiva de desaceleração e até os temores de uma nova recessão (contração da economia por dois trimestres consecutivos), já a partir do segundo semestre deste ano.
Isso ocorre, conforme explica o economista-chefe da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Antônio da Luz, porque o crescimento econômico não acontece em “águas turbulentas”, e sim necessita de mar menos agitado do que o de agora. Hoje, o país enfrenta dois processos contínuos: de aumento na inflação e de juros. Em ambos, o final dos ciclos de aperto monetário e de alta dos preços permanece desconhecido. Aliado a isso, o conflito bélico entre Rússia e Ucrânia aumenta as incertezas no planeta.
O resultado no front interno, acrescenta Luz, é um ambiente pouco propício para o crescimento econômico. Por consequência, os investimentos, que representam 15% do Produto Interno Bruto (PIB), e o consumo das famílias (cerca de 65% da composição do PIB), já bastante afetados por inflação e juros, tendem a experimentar novo fator para a retração.
– Quanto maior a inflação, menor será o PIB, e ponto final. A inflação destrói a renda das pessoas. Os juros, que são o principal remédio, ao aumentá-los, se diminui em igual escala a circulação de dinheiro e, por tabela, o crescimento. Então, neste momento em que se diminui a base monetária via taxa Selic (juros básicos), corta-se qualquer possibilidade de crescimento econômico – analisa.
Segundo ele, medidas como a liberação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas podem “suavizar” o tombo no primeiro semestre. Por outro lado, na segunda metade do ano, o crescimento será “muito baixo e muito aquém do que o Brasil deveria apresentar, na condição de país emergente”, diz.
O economista-chefe da CDL Porto Alegre, Oscar Frank, acrescenta que a política monetária não é a única explicação para a trajetória de baixo crescimento. Ele lembra que há 40 anos o país não desfruta de altas sustentáveis pela produtividade e pelo trabalho. Alguns motivos: sistema tributário complexo, burocracia, mercado interno fechado ao Exterior, elevados gastos públicos, insegurança fiscal e baixo nível de capital humano.
– Juros não são causa, são consequência, assim como a origem da própria inflação está associada com uma ampla agenda de descontroles, paga de maneira ativa por toda a sociedade – resume.
Após 10 elevações em 14 meses para combater os avanços da inflação (que quase dobrou no período, passando de 6,1% em março do ano passado para 11,30% atualmente), os juros no Brasil caminham para atingir a marca de 13,25%, em junho (segundo projeções do mercado), sem ainda terem gerado efeitos de contenção para a crise. Por isso, o professor da Universidade Federal do RS (UFRGS), Flávio Fligenspan, afirma que, ao subir a Selic, como manda a cartilha do sistema de metas para conter as altas do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), pressupõe-se encarecer o crédito, na tentativa de desaquecer a economia e, por consequência, derrubar os preços.
– O problema é seguir o mesmo modelo quando a atividade já está enfraquecida. É irônico elevar juros mesmo que tenhamos a economia andando para trás. Nossa inflação não está no consumo das famílias. Passa, sim, por outros fatores, como custos dos derivados do petróleo no mercado internacional, taxa de câmbio e quebra das cadeias produtivas – argumenta.
Para Oscar Frank, o panorama atual aponta para, pelo menos, dois anos de inflação fora do teto meta: 5% (2022) e 4,75% (2023), podendo se alastrar, como antecipam alguns relatórios de bancos, até 2024 (4,5%).
Entre os motivos, ele cita as incertezas com os rumos da guerra e a recuperação da plenitude da organização nas cadeias produtivas. É o que faz com que esse conhecido problema da economia brasileira também seja, no momento, uma preocupação global, em países com pouca memória inflacionária, caso dos EUA.
– Durante a pandemia, foram concedidos estímulos sem precedentes na história. Leva-se tempo para neutralizar esses impactos, e a inflação do Exterior torna muito mais difícil domar a doméstica. Há ainda o que se denominada de inércia inflacionária, ou seja, nossa economia é demasiadamente indexada e torna a inflação retroalimentada no futuro, nos contratos (aluguel, pedágio etc.) e até nos salários. Trata-se de um contexto de contenção ainda mais complicada – explica.
Com futuro incerto, câmbio amenizaria pressões e aqueceria o mercado
Para romper o que pode ser considerado um ciclo vicioso originado a partir da inflação, existe um elemento que serve como uma espécie de curinga. Trata-se do câmbio. Só que, outra vez, o horizonte não é nada animador.
Valter Bianchi Filho, sócio-diretor da Fundamenta Investimentos, explica que, com o real menos desvalorizado frente ao dólar, seria possível desinflacionar a economia, aumentar a renda (a per capita é balizada em dólar), reduzir juros e voltar a gerar crescimento econômico, impulsionado pela atividade doméstica. Aliás, esse é também ponto de partida para atacar o desemprego.
O problema, acrescenta, é que se a alta dos juros nos EUA for além das expectativas atuais (3,25%), o Brasil teria de acompanhar a movimentação para acomodar as diferenças, o que ampliaria a desaceleração interna. Na prática, a dinâmica estabelecida, a partir das movimentações do Fed, funciona como uma convocação para que os dólares voltem para casa: os EUA.
Significa menos investimento em carteiras emergentes, caso do Brasil. O resultado é a valorização mais expressiva da moeda norte-americana, não apenas frente ao real, mas também, perante todas as demais. Ainda assim, para Bianchi, o ano não será perdido, mas haverá “dois países” distintos em atividade.
O primeiro é o que se beneficia das exportações, em razão da alta no preço das commodities e a maior competitividade gerada também a partir do real desvalorizado. O segundo, do consumo e da produção doméstica – o da vida real –, não terá a mesma sorte. Sofre mais com a inflação e depende da volta do crescimento econômico para respirar, diz:
– Mas, se tudo der certo e se tivermos um ciclo parecido com o início dos anos 2000, os bons frutos da exportação acabam gerando renda, valorizam o real sobre o dólar e podem impulsionar renda e consumo, num ambiente que, se tiver a inflação controlada, ficaria ainda melhor.
Desempenho
Economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo também vê papel de destaque para o câmbio, mas, com base em relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI), sustenta que o PIB nacional não crescerá tão cedo. As expectativas da instituição indicam que, até 2027, a média será de 1,4% ao ano.
Para se ter uma ideia, entre 2000 e 2007, o desempenho foi de 3,6% e, de 2008 a 2019 (ano anterior à pandemia), de 1,4%. Segundo ela, os dados demonstram que as dificuldades internas persistem, a despeito das conjunturas externas:
– O problema não é um ano ruim, mas sim olhar mais distante e perceber que temos uma sequência de anos fracos. Ao longo do tempo, tivemos várias conjunturas: juros altos, baixos, câmbio no teto, no piso, maior ou menor inflação, mundo crescendo mais ou menos, enfim. Em comum, existe o fato de que em qualquer tempo o Brasil cresceu menos que seus pares e do que a média mundial. Algo está muito errado.