Em mais uma “super quarta” — como os analistas batizaram as reuniões simultâneas dos comitês de política monetária do Brasil, o Copom, e dos Estados Unidos, o Fomc —, as notícias não foram animadoras. Indicam, sim, que a escalada da inflação mundial continua a inspirar muitos cuidados e, sobretudo, ações mais enérgicas. Razão pela qual, por aqui, o Banco Central (BC) manteve, nesta quarta-feira (4), o ritmo adotado nos dois encontros anteriores e voltou a elevar a taxa de juros básicos da economia em um ponto percentual, para 12,75% ao ano.
Mais do que a nova taxa, as expectativas do mercado estavam centradas no comunicado, que antecipa as intenções para o próximo encontro do Copom, em junho. Os analistas esperavam pelo fim do ciclo de elevações, pois a reunião antecede o início do período eleitoral, ocasião em que é comum que os juros permaneçam inalterados para evitar o uso político das decisões no processo.
Nesse aspecto, o texto veio dentro das expectativas, reconheceu piora dos cenários de inflação nos últimos 45 dias e deixou a porta abertas para uma nova alta no próximo encontro, porém, com a intenção de desacelerar o ritmo.
– Para a próxima reunião, o Comitê antevê como provável uma extensão do ciclo com um ajuste de menor magnitude. O Comitê nota que a elevada incerteza da atual conjuntura, além do estágio avançado do ciclo de ajuste e seus impactos ainda por serem observados, demandam cautela adicional em sua atuação. O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar a convergência da inflação para suas metas, e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária – diz a nota.
Essa foi a décima alta anotada em 14 meses, quando teve início o novo ciclo que, agora, recoloca a taxa Selic em idêntico patamar ao de março de 2015, o maior nível desde fevereiro de 2017. Encurralado pela aceleração do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que ameaça romper o teto estipulado para 2022 (5% ao ano) e 2023 (4,75% ao ano), na avaliação de alguns especialistas, o colegiado renovou o comprometimento de perseguir as metas inflacionárias.
É o caso do economista-chefe da Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, ao reforçar que esse sistema, cujo principal instrumento de controle é dado pelos juros, tende a ser benéfico para as economias que o adotam. Por outro lado, constata ele, no país, há uma série de “disfuncionalidades” que comprometem a estrutura interna, como os gastos do governo, as falhas no mercado de crédito e a elevada concentração bancária, por exemplo.
Segundo Frank, enquanto não ocorrerem reformas “consistentes”, capazes de amenizar esses e outros fatores, sobra apenas uma alternativa, ou seja, “o remédio amargo” dos juros. E, acrescenta, o cenário atual é “ruim” para consumidores, empresários e governos.
— Todos perdem, porque limita-se o empreendedorismo e o investimento, que trazem dinamismo à economia. Nesse momento, de pós distanciamento social, a inflação é um fenômeno global, mas poderíamos sofrer menos se tivéssemos gestão fiscal e reformas — assegura Frank.
Professor e economista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Marcelo Portugal adiciona outros ingredientes à receita, pois com a Selic mais elevada ficam mais caros o consumo e a produção. Ambos, diz, dependem de crédito, que, por sua vez, se torna menos acessível.
— Os pequenos negócios, os mais prejudicados pelo fechamento da economia na pandemia, também serão mais afetados agora porque dependem mais de crédito, por trabalharem com menos capital próprio e precisarem antecipar recebíveis junto aos bancos — esclarece Portugal.
Respostas
Portugal afirma que a “fábula” de que o IPCA em alta seria temporário atrasou as respostas do BC e abriu margem para a escalada de uma inflação, neste momento, “enraizada e disseminada” por toda a economia. Ao relatar “pessimismo”, ele argumenta que o Brasil e o mundo reagiram à pandemia com grandes impulsos monetários. Em seguida, lembra, veio a guerra na Ucrânia, com embargos à Rússia, um dos grandes produtores de petróleo e alimentos, para aumentar uma conta “indigesta” de ser paga.
— Acredito que essa elevação da Selic não será a última e que ainda teremos de conviver com uma inflação elevada por muitos meses, no mínimo até o início de 2023. Ou seja, teremos juros também elevados por muitos meses à frente — explica Portugal.
Em raciocínio semelhante, a economista-chefe da Fecomércio-RS, Patrícia Palermo identifica que, mesmo com o fim do ciclo de aumentos na Selic (esperado para a próxima reunião do Copom em junho), os níveis permanecerão elevados por “muito mais tempo” do que se imaginava inicialmente. Nesse contexto, ela projeta que só haverá ambiente interno para uma taxa menor a partir de 2024.
Até lá, explica Patrícia, tanto a inflação (ICPA) quanto os mecanismos para corrigi-la (juros) seguirão restringido a atividade, com a corrosão do poder de consumo e do orçamento das famílias. Outro efeito, alega, é que o fluxo inflacionário mundial pressiona países emergentes, como o Brasil, a elevarem juros para evitar a desvalorização cambial — um dos canais que ajuda a disseminar a inflação dentro da economia:
– Aprendemos ao longo do tempo que qualquer conivência com inflação alta cobra um preço. Os BCs, não só o do Brasil, mas do mundo inteiro, já entenderam isso e vão utilizar os instrumentos que têm à disposição para fazer esse controle.