
A estabilidade da taxa de desocupação no país, em 11,1%, e em quase todos os Estados nos primeiros três meses do ano, reforça a persistência de um cenário desanimador enfrentado pelos brasileiros há exatos seis anos: a convivência com altos níveis de desemprego. Agora, são 11,9 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, ultrapassando o tamanho da população do Rio Grande do Sul, de 11,4 milhões de pessoas.
Os dados coletados, entre janeiro e março de 2022, pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados nessa sexta-feira (13), não demonstram, na avaliação de muitos especialistas, a estabilidade dos saldos de vagas em território nacional, ou a volta aos patamares pré-pandemia. Pelo contrário, apontam, sim, para a permanência de um quadro de estagnação que impede a acomodação de mais de 10 milhões de pessoas no mercado de trabalho e amplia os efeitos da retração para a economia.
Esse é o contingente de cidadãos que vive às margens do emprego no Brasil, desde o primeiro trimestre de 2016. E, mesmo com algumas oscilações nas últimas amostragens do ano passado, de acordo com o coordenador da PNAD/IBGE no RS, Walter Rodrigues, chegar ao nível anterior ao da pandemia, em 2019, não pode “ser considerado um grande feito”. Ele justifica a afirmação pela correlação estreita entre desemprego e produção.
— Vivemos um ciclo negativo: se a situação está ruim nos empregos, a população tem menos poder aquisitivo. Isso faz com que a economia não cresça. Uma economia que não cresce, não contrata e ingressa-se num processo de retroalimentação desse mesmo ciclo — sintetiza.
Em meio ao espiral de problemas, Rodrigues destaca um fenômeno que também é bastante típico do Rio Grande do Sul. Trata-se da escalada de postos gerados na subcategoria dos chamados trabalhadores por conta própria, ou os informais. Segundo ele, percebe-se, a partir de 2021, uma recuperação, “que inicialmente poderia parecer positiva”, mas foi centralizada nesses grupos, isto é, os que recebem as piores remunerações.
Entre as causas, ele aponta a rápida saída do mercado de trabalho das pessoas que ganhavam menos, durante a pandemia. Como resultado, acrescenta: os rendimentos médios experimentaram elevação por um período restrito, “pois os que recebiam menos deixaram de puxar a média salarial para baixo”.
A partir do ano passado, entretanto, comenta o coordenador do IBGE no RS, acontece a inversão da curva. Agora, os informais retornam e, outra vez, achatam os cálculos salariais. Esse é um dos fatores que levaram o rendimento médio apurado, de janeiro a março, ao patamar de R$ 2.548. Apesar do aumento de 1,5% em relação ao último trimestre de 2021 (R$ 2.510), a cifra é 8,7% inferior à registrada em igual período do ano passado (R$ 2.789).
— Se não há atividade econômica, contrata-se menos pessoas. E quando se contrata menos pessoas, há menos circulação de renda e gera-se uma oferta de pessoas para trabalhar que é maior do que a procura. Consequentemente, trará reflexos para baixar ainda mais os salários. Em tese, o quadro deveria contribuir para frear a atividade e reduzir a inflação, mas não é o tem ocorrido — ilustra Rodrigues.
Em 2013, taxa de desemprego era de 6,3%
De fato, no Brasil, puxada pela informalidade, a taxa de desocupação (percentual de pessoas da força de trabalho que estão desempregadas) apurada no primeiro trimestre deste ano já é igual a nível pré-pandemia (também 11,1%), depois de ter atingido o pico de 14,9% entre o terceiro trimestre de 2020 e o primeiro de 2021. Ainda assim, está bastante distante dos 6,3% registrados no quarto trimestre de 2013, quando o desemprego alcançou o menor nível da série histórica na PNAD Contínua.
No Rio Grande do Sul, a trajetória decrescente, pós-covid-19, começa no primeiro trimestre de 2021, quando a taxa sai de 9,5%, para 8,9%, até bater em 7,5%, nos três meses iniciais de 2022. O desempenho é pouco superior aos 7,3% exibidos no ano anterior ao da pandemia. Por outro lado, está bastante acima do menor patamar, de 4,4%, registrado nos três meses finais de 2012.
Em números absolutos, no Brasil, na comparação entre o quarto trimestre, de 2012 e o primeiro de 2022, a população desocupada quase dobrou — de 6,7 milhões para 12 milhões (78,5%). Significa que um contingente de 5,2 milhões de brasileiros foram alçados às indigestas estatísticas do IBGE e por lá permanecem há seis anos.
No Rio Grande do Sul, não é diferente. Em igual período, 244 mil gaúchos passaram a frequentar o índice de desemprego, que era de 256 mil pessoas nove anos atrás, no início da série, rondado, a partir de então, frequentemente, a marca de meio milhão de desempregados.
Ainda assim, o Estado conta com uma das menores taxas de desocupação entre as unidades da federação. Com 7,5% da força de trabalho desempregada – enquanto a Bahia chega a 17,6% e o país a 11,1% – o RS detém o sexto menor percentual, atrás de Santa Catarina (4,5%), Mato Grosso (5,3%), Mato Grosso do Sul (6,5%), Paraná (6,8%) e Rondônia (6,9%).
Persistência do desemprego elevado é sintoma de doença crônica na economia
Diante do quadro, economistas, sociólogos e empresários, consultados por GZH, identificam, pelo menos, uma zona de consenso: mais devastador do que o patamar elevado do desemprego tem sido a persistência destes níveis ao longo dos anos.
O economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS, Ely José Mattos, chama a atenção para o fato de que, mesmo com os efeitos da pandemia, sentidos em todo o planeta, o Brasil ainda apresentava, no fechamento de 2021, um mercado de trabalho mais corroído do que o de seus pares na América Latina. Nesse contexto, a taxa de desocupação, por aqui (11,1%), ficava acima de economias fragilizadas, há bastante tempo, como é o caso da Bolívia, cujo índice era de 5%, e da Argentina, com 9,3%, segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O desempenho nacional, salienta Mattos, também está longe do ideal quando o critério é a média dos membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): 6%.
Ele explica que sempre haverá algum percentual de desemprego, independentemente, do desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) de uma nação. É o que se denomina de desemprego friccional. Ou seja, aquelas pessoas que estão fora do mercado por razões que não se relacionam com a oferta e a demanda de vagas e fazem com que, em economias desenvolvidas, como as do Japão e da Suíça, por exemplo, haja índices de 2% e 2,5%, respectivamente.
— Não há um número mágico que indique níveis perigosos, mas alguns dados, quando tomam corpo, demonstram uma patologia, um sinal de que a economia não vai bem. Quando há uma sociedade com desemprego acima do nível friccional, significa que ela não consegue alocar essas pessoas que deixam de produzir e gerar crescimento e consumo no país. É o que vivemos, hoje, no Brasil, onde a taxa pode ser considerada muito elevada e bastante permanente — analisa.