Em um ambiente de inflação e de queda da renda, o atacarejo ganhou espaço entre os brasileiros. A busca incessante pelos preços mais baixos garantiu uma alta de 10% ao formato no ano passado, contra uma queda de 2,4% do varejo alimentar como um todo, segundo estudo da McKinsey obtido com exclusividade pelo Estadão.
Com isso, em um ano, a fatia do atacarejo no varejo de alimentos saltou de 35% para 40%. Hoje, são mais de 2 mil lojas desse perfil pelo país. A perspectiva é de que esse modelo ganhe ainda mais participação, chegando a 50% das vendas nos próximos anos.
— Em meio à pressão inflacionária, o único formato que conseguiu ser resiliente foi o atacarejo — comenta Roberto Tamaso, sócio da McKinsey.
Segundo o especialista, o estudo deixa claro que, no futuro próximo, não há perspectiva de que a sensibilidade do consumidor ao quesito preço venha a diminuir.
— Os consumidores estão dispostos a comprar produtos mais econômicos. O varejo terá de ter oferta de produto, e isso também abre a possibilidade para a marca própria — diz o executivo.
A pesquisa mostrou que 70% dos consumidores estão buscando melhores preços e que 40% se dizem abertos a comprar opções mais econômicas.
Fazendo as contas
O aposentado Almir Cornachioni, de 62 anos, tem aumentado a frequência de visitas à loja do Assaí, no bairro Aricanduva, em São Paulo (SP) onde mora para driblar o aumento da inflação.
— O atacarejo é mais barato. São quatro casas no mesmo quintal e oito pessoas da família, nos agrupamos para fazer as compras — conta.
A preferência, em tempos de orçamento apertado, tem razão de ser: segundo recente pesquisa da Nielsen, os produtos básicos são, em média, 15% mais baratos nos atacarejos do que em supermercados e hipermercados.
Como é aposentado e vive perto da unidade que frequenta, ele corre ao Assaí muitas vezes por semana, especialmente quando recebe cupons de desconto pelo WhatsApp. Ele tem ajudado até nas compras dos vizinhos.
— Quando estou indo ao mercado, minha vizinha pede para ver o preço de alguns produtos. Eu mando o valor e às vezes ela me faz um Pix para eu levar para ela — conta.
Em resumo, a McKinsey classifica o atacarejo como um vencedor na crise.
— É um formato que deu certo e tudo indica que vai continuar a crescer — afirma Bruno Furtado, sócio da consultoria.
Expansão para o interior
Depois de as grandes redes já terem avançado nas capitais brasileiras, a tendência agora é de avanço no interior dos Estados, comenta Furtado. Outra constatação é de que hoje o modelo faz parte do dia a dia de todas as classes sociais, e não só da baixa renda.
A musicista Geraldine Ruiz, moradora da zona norte de São Paulo, é cliente de atacarejo há cinco anos.
— Quando tem algum produto com preço bom, preferimos comprar no atacado e estocar em casa, pois sabemos que a inflação vai salgar no mês seguinte. Produtos como óleo e café estão nessa estratégia — comenta.
Sócio-fundador da consultoria em varejo Varese, Alberto Serrentino afirma que o atacarejo tem ganhado força no Brasil desde a crise de 2015. Na época, 47% das famílias brasileiras costumavam visitar essas lojas, porcentual que subiu para 65% no ano passado.
Serrentino diz que a agressiva abertura de lojas também auxiliou o setor.
— O atacarejo ganhou muito por conta da expansão. Foi um formato agressivo em aberturas de lojas e migração, o que faz com que o market share (participação de mercado) cresça.
Faturamento
As mais de 2 mil lojas de atacarejo no Brasil faturaram R$ 230 bilhões no ano passado, segundo dados da Associação Brasileira dos Atacadistas de Autosserviços (Abaas) e da Nielsen IQ. A expansão do número de lojas foi forte: 26% apenas em 2021, especialmente nas regiões Norte e Sul, além dos Estados de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.
No Norte, o grande nome do segmento é o Grupo Mateus, que tem colocado o pé no acelerador desde que abriu seu capital, em 2020. Hoje, o grupo possui 210 lojas. Mais da metade está no Maranhão, onde a rede foi fundada e detém 80% de participação no setor.
— Vamos entendendo as novas possibilidades de faturamento e onde é possível entrar com um determinado nível de competitividade. É um equilíbrio das contas e vamos preenchendo as rotas — afirma Sandro Oliveira, diretor executivo da companhia.
Outra "onda" de novas lojas de atacarejo está vindo com a venda dos pontos do Extra Hiper para o Assaí - a bandeira de atacarejo pertence ao francês Casino, mas foi desmembrada do Grupo Pão de Açúcar (GPA) no Brasil. O Assaí, que tem hoje 216 lojas, prevê abrir mais 50 unidades neste ano, número recorde.
Diretor regional do Assaí, Luiz Carlos Araújo afirma que o modelo tem sido bem recebido por toda a parcela da população. Agora, uma das estratégias é agregar mais serviços às unidades, como o de açougue.
— O cliente já exige um padrão melhor, mas não podemos perder a essência, que é de ser de custo baixo — diz.
Já o GPA desistiu do formato de hipermercado.
— Passamos por profundas mudanças e tomamos importantes decisões para o futuro dos negócios do grupo. Iniciamos o ano com a cisão do negócio de atacarejo (Assaí) e finalizamos um ciclo com a descontinuidade do formato de hipermercados do grupo no Brasil, suportados por uma análise de médio e longo prazos das tendências do varejo — afirma o diretor de operações do GPA, Frederic Garcia.
Foi com a chegada de uma loja perto de casa que a advogada Maria Carolina Garcia mudou suas compras. Na região do Tatuapé, um Extra mudou para Assaí. Grávida no início da pandemia e trabalhando no setor da aviação, um dos mais afetados pela crise, buscou economia no atacarejo.
— O que também gosto é que temos a possibilidade de outras marcas não tão famosas, mas também boas — diz.