O último reajuste no preço dos combustíveis, que elevou em 19% o preço da gasolina nas refinarias, esticou a corda de uma situação que já estava difícil de caber no bolso. Com o preço médio do litro da gasolina passando de R$ 7 no Estado, a dificuldade para encher o tanque tem levado a ajustes nas rotinas das famílias e até à desistência do carro para conter as despesas crescentes.
Entre as readaptações, muitos voltaram a andar de ônibus e outros adotaram de vez a bicicleta para os deslocamentos. Sem falar nas distâncias percorridas a pé, que, pela comodidade do carro, antes não eram opção. Outra alternativa tem sido a carona.
Quando o gasto mensal para abastecer o carro começou a bater em R$ 450 ao mês, a professora de geografia Daiane Maldaner, moradora de Bom Princípio, viu a necessidade de compartilhar o percurso até a escola com outras duas colegas para aliviar os custos. Todos os dias, ela sai do município para dar aulas em Alto Feliz, distante cerca de 18 quilômetros. Como é um trajeto com subidas, o consumo do combustível fica ainda maior, diz Daiane.
As companheiras de carona, Anelise Boenny e Elisabete Weber, que moram em Feliz, são buscadas no caminho. O rodízio do trio é semanal. Quando são as colegas na condução, Daiane vai de carro até Feliz, a cerca de oito quilômetros, e deixa o carro estacionado no centro da cidade.
O esquema das professoras ganhou até nome para descontrair a situação: virou Trans Daiane, Trans Anelise e Trans Elisabete, dependendo da escala.
— Criamos um grupo no WhatsApp e, a partir dele, nos programamos. Organizamos (a condução) por semana porque facilita a questão da conferência. As colegas da escola já sabem. “Hoje vocês estão de quê? Ah, hoje é Trans Daiane!”. A gente se diverte, mas é a forma que encontramos de conter um pouquinho os gastos — conta Daiane.
O peso do combustível nas contas de casa estava obrigando a professora a ajustar o orçamento da família em outras frentes. A possibilidade das caronas serviu para viabilizar, inclusive, a permanência no trabalho.
— Estamos em função de terminar a casa, então precisamos cortar alguma coisa de material de construção para eu poder abastecer o carro e ir trabalhar. Chegou uma hora em que eu quase coloquei na balança: será que vale a pena? Depois fiquei pensando que sim, que preciso, e que uma hora temos esperança de que isso vai passar — tranquiliza-se.
Substituição em quadra e no trabalho
A mesma opção de permanecer com o trabalho não teve o jogador de futsal Jean Carlos Varela, conhecido como Jean Loko, que atuava como goleiro da Alaf, de Lajeado, mas teve de deixar as quadras por conta da questão logística. O time disputa a Série A do Gauchão de Futsal.
Morador de Rio Pardo, ele se deslocava diariamente para treinar no Vale do Taquari, em percurso que leva cerca de uma hora e meia de carro. Mas os custos ficaram inviáveis com o preço do combustível, e o atleta e o clube entraram em acordo para encerrar o contrato. “A questão logística e financeira impactou na permanência do atleta”, escreveu o clube em postagem nas redes sociais ao comunicar a rescisão.
O auxílio para condução, que era custeado pelo clube além do salário, passava de R$ 1 mil por mês, segundo o atleta.
— A ideia era continuar, mas, quando sentamos para conversar e fazer os cálculos... A conversa praticamente acabou ali porque não tinha condição — disse Varela, que jogava pela Alaf desde o ano passado e, agora, está trabalhando como barbeiro em Rio Pardo.
Antes de optarem pela rescisão, as partes chegaram a ajustar a rotina de treinos para reduzir os gastos, com a possibilidade de o atleta se deslocar duas vezes na semana para os treinos e aos sábados para os jogos, mas nem assim a conta fechou.
Fugindo do trânsito
O quebra-cabeça do orçamento também entrou na matemática do motorista de aplicativos Bruno Leal, de Alvorada, que dirige diariamente até Porto Alegre para fazer as corridas. Como não tem outra opção que não abastecer o carro para trabalhar, a solução foi readequar a jornada de modo a fazer o combustível render mais. Para isso, definiu horários e regiões de trânsito intenso para evitar.
— No último reajuste mais expressivo, já tive que fazer uma adaptação de horários para pegar menos arranca e para, como se diz, para ficar menos tempo trancado no trânsito e fazer mais economia de combustível. Monitorei os meus horários para não trabalhar nos de pico — diz Leal.
O motorista sai da Região Metropolitana pela manhã e roda 12 horas pela Capital. Faz uma pausa rápida para um lanche, que leva de casa para não ter nenhum outro gasto além da gasolina. Desde que opera com aplicativos, há quatro anos e meio, diz que não lembra de outro momento tão duro.
— Quando comecei, trabalhávamos com gasolina a R$ 2,99, R$ 3,29... Era um cenário totalmente diferente. Hoje em dia, a gasolina mais barata que achei em Porto Alegre foi a R$ 6,79. E trabalhamos todo esse tempo sem reajuste de tarifas — diz o motorista, que já cogita abandonar a atividade se persistirem os aumentos.
Joe Martins, presidente da associação que representa os motoristas de aplicativos (Alma-RS), relata que muitos passaram a inverter o turno de trabalho, optando pela noite, quando o trânsito é menos carregado nas ruas.
— Muitos estão escolhendo corridas e horários para trabalhar. Não dá mais para rodar cinco quilômetros de distância para buscar alguém. Isso gera um transtorno para os passageiros, mas, infelizmente, não tem o que fazer — diz Moraes, acrescentando que a categoria cobra das plataformas reajuste real no valor das corridas repassado aos motoristas.
O presidente do Sindicato de Taxistas de Porto Alegre (Sintáxi), Luiz Nozari, relata que a adaptação para rodar o mínimo possível e somente quando tiver passageiro é a alternativa adotada também na categoria. O dirigente cita que o aumento nos combustíveis é geral. Mesmo os motoristas que optaram por migrar para o GNV já não veem diferença no bolso, atualmente.
— Estamos empatados. Deixou de ser a nossa salvação — diz Nozari sobre os veículos a gás, que além de tudo perdem espaço de bagageiro com a presença do cilindro.