O horário de verão é um dos fatores capazes de dividir os brasileiros. Extinta em 2019, a medida podia despertar angústia em quem a desaprova e, por outro lado, injetar ânimo extra naqueles que a aguardavam para curtir um pouco mais da luz dia. Para descontentamento de uns e alegria de outros, o assunto está de volta à mesa de negociações.
É que as principais entidades ligadas aos segmentos do turismo e de bares e restaurantes defendem o retorno do hábito de adiantar os relógios em uma hora na terceira semana de outubro. A medida ajudaria a compensar as perdas de faturamento – que não foram poucas – durante o auge das medidas de prevenção à pandemia.
No Rio Grande do Sul, o Sindicato de Hospedagem e Alimentação (Sindha) estima incremento de 10% nas vendas com o aumento da procura por happy hours em 2021. E o desfecho da pauta é percebido com otimismo entre os dirigentes setoriais:
— Estamos há seis meses em contato com deputados, em Brasília, para levar ao presidente Jair Bolsonaro a importância de rever a posição. O tema está em discussão e me parece que há sensibilidade por parte do Poder Executivo — diz o presidente do Sindha, Henry Chmelnitsky.
O empresário também lembra que, desde a revogação, há dois anos, a categoria tenta reverter a decisão tomada por Bolsonaro nos primeiros meses de seu governo. Agora, a pressão aumentou.
Em junho, uma carta, assinada por 14 entidades bastante representativas, foi endereçada à Presidência da República. No dia 1º de setembro, o novo ofício enviado reforçou a demanda, que também conta com o apoio de parlamentares.
A meta é suavizar dois problemas com um canetaço só: amenizar o fechamento de empresas do setor, que chega a 30% apenas no RS, e contribuir com o enfrentamento da crise hídrica, que coloca em risco a capacidade de geração de energia no país.
A relação que temos de fazer é: tão importante quanto mensurar o que vamos deixar de gastar em energia é o quanto vamos gerar em empregos
HENRY CHMELNITSKY
Presidente do Sindha
“São muitos os desafios para mitigar o problema e qualquer economia energética se torna ainda mais relevante. As restrições de funcionamento acabaram se prolongando além do imaginado e gerando mais dificuldades para o setor de bares e restaurantes, no qual 37% das empresas está atualmente operando no prejuízo e para quem esse faturamento incremental fará enorme diferença”, diz o texto.
— A relação que temos de fazer é: tão importante quanto mensurar o que vamos deixar de gastar em energia é o quanto vamos gerar em empregos — complementa Chmelnitsky.
Retomada do setor
Um dos líderes do movimento de retorno do horário de verão é a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). A presidente da regional gaúcha, Maria Fernanda de Laquila Tartoni, afirma que, neste momento, cada R$ 1 faturado significa um passo adiante para a retomada do setor, “massacrado” ao longo do ano passado.
Para se ter uma ideia, até março de 2020, eram 1 milhão de bares e restaurantes, que, juntos, empregavam 6 milhões de brasileiros. Desses, 300 mil fecharam as portas em definitivo, com a demissão de mais de 1,2 milhão de trabalhadores. Nos primeiros quatro meses de 2021, mais 100 mil empregos foram perdidos e outras 35 mil empresas encerram a atividade.
A pauta chegou à Presidência. Existe esperança, somos guerreiros, proprietários de bares e restaurantes e acreditamos até o último segundo. As cartas estão lançadas, falta a definição.
MARIA FERNANDA DE LAQUILA TARTONI
Presidente da Abrasel-RS
No RS, o índice de bares e restaurantes no prejuízo alcançou 85% em março, momento com as restrições estavam mais severas. Em fevereiro, 85,7% dos estabelecimentos já tinham algum tipo de pagamento em atraso. Por essa razão, Maria Fernanda diz que o segmento está esperançoso:
— A pauta chegou à Presidência. Existe esperança, somos guerreiros, proprietários de bares e restaurantes e acreditamos até o último segundo. As cartas estão lançadas, falta a definição.
Presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL POA), Irio Piva também vê com bons olhos a possibilidade de adoção da medida. Segundo ele, além dos benefícios para os bares e restaurantes, o comércio de rua seria impactado positivamente. Para o dirigente, a sensação é de que existe, sim, uma “possibilidade real” de que o horário de verão aconteça neste ano.
Economia de energia
Criado em 1931 por Getúlio Vargas, o horário de verão virou lei, em 2008, e foi revogado, por decreto, na gestão de Jair Bolsonaro, em abril de 2019. O diretor operacional da Siclo Consultoria em Energia, Plínio Milano, explica que, no último racionamento, a economia de energia foi relativamente pequena — próxima de 0,5%— e essa foi uma das razões para a interrupção da medida.
Por outro lado, ele afirma que a meta, originalmente, não era reduzir o consumo, mas amenizar a demanda durante os picos de potência, antes fixado na faixa entre 17h e 20h. A ideia seria estabelecer a divisão entre as pessoas que mudariam seus hábitos e ficariam por mais tempo na rua e as que permaneceriam com a rotina inalterada. Essa espécie de segmentação também fragmentaria os horários de maior demanda na rede de energia.
Com o passar dos anos, comenta Milano, em razão, principalmente, da popularização do ar-condicionado e de alterações substanciais na exigência da população por conforto térmico, o horário de maior potência foi antecipado. Ocorre, agora, no período entre 13h e 16h, com maior intensidade nos meses de verão.
Deste modo, se o objetivo do horário de verão era deslocar o pico de consumo, hoje o resultado não é mais tão efetivo, diz Milano. No entanto, ainda sobra uma economia, mesmo que bastante reduzida.
— É claro que 0,5% em uma situação normal, talvez não justifique o horário de verão, até porque há quem goste muito e quem o odeie. Agora, em uma escassez como a que estamos vivendo, com os reservatórios do Sudeste no pior nível em 91 anos, talvez seja este o oxigênio que possa nos ajudar — argumenta.