Já pensou em trabalhar apenas quatro dias por semana? Ou deixar o trabalho duas horas mais cedo? No Brasil, a legislação prevê que a jornada seja de até 44 horas semanais, uma média de oito horas diárias, mas o resultado de testes recentes realizados na Islândia e previstos para outros países europeus apontam que é perfeitamente possível conciliar a produtividade com mais tempo de lazer para os empregados.
No país escandinavo, por exemplo, os resultados obtidos, entre 2014 e 2019, com a diminuição de 40 horas para 36 horas por semana para 2,5 mil trabalhadores, sem prejuízos de remuneração, acabaram por gerar alterações de escalas, via novos acordos sindicais, para o equivalente a 86% da força de trabalho. Menos estresse, maior equilíbrio entre a atividade profissional e a vida pessoal, além da manutenção dos índices de produtividade, são alguns dos benefícios apontados pelo governo local.
Por aqui, onde, diferentemente da Europa, a desigualdade salarial é uma realidade e ter um emprego parece um sonho distante para pelo menos 14,8 milhões de pessoas, segundo dados do IBGE no primeiro trimestre de 2021, a implantação de modelos similares pode ser bastante complicada, mas discutir o tema é algo cada vez mais necessário, dizem pesquisadores.
É o que explica o professor de economia do trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Cássio Calvete. Segundo ele, medidas nessa direção precisam ser debatidas como forma de frear uma espécie de espiral que ocorre quando o desemprego aumenta de forma exponencial e, por consequência, passa-se a trabalhar mais por menores remunerações.
— A redução da jornada não é a panaceia, mas uma boa alternativa para mitigar danos do desemprego. Pode diminuir mais ou menos o problema, pois depende de outras ações de fiscalização, formalização e redução de horas extras — sintetiza.
Segundo Calvete, hoje não há impeditivos para que empresas nacionais optem, por adotar a prática via contratos coletivos. Entretanto, isoladamente, não haveria o impacto macroeconômico esperado.
Não é tão fácil reduzir a jornada por lei, avalia Calvete, em razão dos níveis de informalidade na economia e daqueles trabalhadores que ainda estão à revelia da própria legislação. Mas, segundo o professor, é preciso pensar na opção como uma das formas de reduzir o tamanho do desemprego.
O consultor trabalhista da Fecomércio-RS Flavio Obino Filho reforça essa visão e afirma que é impossível apostar na criação de novos postos de trabalho unicamente por força de legislação. Para ele, a fórmula é associar crescimento econômico com ampliação de investimentos e qualificação profissional.
Obino também comenta que existe um cálculo atual apontando que uma eventual redução de jornada seria capaz de abrir 2 milhões de vagas, com custo agregado de 10% para as empresas.
— Hoje, vindo de uma retração econômica que destruiu empresas e empregos, não se imagina isso. A grande maioria dos empresários foi forçada a se preparar para vendas online. Se tiver que aumentar custos, a resposta virá pela automação — analisa.
Impacto indústria 4.0
Calvete, da UFRGS, lembra que, historicamente, desde a primeira revolução industrial, no século 18, sempre em que há um “boom” tecnológico leva-se tempo até ocupar as pessoas preteridas pelo mercado de trabalho no decorrer do processo de transição.
Por isso, a discussão sobre a redução da jornada começa a ganhar corpo no mundo como uma das maneiras de conter os efeitos da chamada indústria 4.0 — movimento de alteração dos modos de produção, em razão da consolidação de tecnologias como inteligência artificial, robótica e internet das coisas.
Neste contexto, o economista afirma que a saída em análise pelos principais países é a denominada renda básica universal, uma espécie de auxílio emergencial global.
— No combate deste desemprego que se avizinha será preciso pensar em três alternativas conjuntas: a renda básica, a redução da jornada legal e as políticas públicas que freiem o aumento da informalidade — antecipa.
Calvete afirma que existem muitos estudos, mais antigos do que a própria experiência realizada na Islândia que comprovam que a redução da jornada aumenta a produtividade do funcionário, mas, por óbvio, não a produção da empresa.
— São coisas diferentes. O bom senso indica isso, porque quando se reduz de oito para seis horas elimina-se as horas em que o trabalhador está mais cansado — comenta.
Obino, da Fecomércio, por sua vez, lembra que na comparação com os países latino-americanos, como Uruguai, Paraguai, Argentina e Peru, o Brasil é o que já possui a menor jornada, de 44 horas, ante 48 horas dos demais. Ele comenta que todas as revoluções foram acompanhadas de redução de emprego, mas, por outro lado, trouxeram maior crescimento da produção.
— E se o PIB (Produto Interno Bruto) aumenta, o emprego aumenta junto — pontua.