Cerca de um ano após o coronavírus desembarcar no país, o número de desalentados no Rio Grande do Sul registrou recorde no primeiro trimestre deste ano. De janeiro a março, cresceu em 60,56% o contingente de pessoas que gostariam de trabalhar, mas desistiram de procurar emprego por falta de esperança de encontrar vagas, na comparação com o mesmo período de 2020.
No primeiro trimestre de 2021, 114 mil pessoas estavam nessa condição no Estado, 43 mil a mais do que nos três primeiros meses de 2020, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O coordenador da pesquisa no Estado, Walter Paulo de Sousa Rodrigues, afirma que o primeiro trimestre do ano costuma ter uma desmobilização do mercado de trabalho, o que aumenta a incerteza das pessoas fora da força de emprego. No entanto, destaca que os efeitos da pandemia acabam aumentando esse contingente:
— Empiricamente as pessoas já têm essa noção de que o primeiro trimestre tem menos oferta de emprego. Não é um trimestre muito bom para a procura de trabalho. Com o cenário da pandemia se agravando, essa situação fica pior.
O economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS Ely José de Mattos reforça que a elevação no número de desalentados no Estado ocorre diante de uma série de fatores e é impulsionada pela crise sanitária:
— A questão do desalentado é particularmente significativa no contexto de pandemia, porque há uma série de fatores adicionais que ajudam a explicar a pessoa simplesmente desistir de procurar emprego, seja porque está em grupo de risco e não vai, desiste de buscar empregos que sejam adequados ou pela idade. Tem vários elementos.
O economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank, afirma que a taxa de desalentados costuma crescer em níveis maiores em períodos de crise. Ou seja, essa parcela da população acaba inflando diante das incertezas no mercado de trabalho em momentos de instabilidade econômica.
— Se a gente olhar para a série histórica, dá para perceber também o que aconteceu no período da grande recessão de 2015, 2016. O desalento também subiu de maneira significativa. Então, existe uma relação entre períodos recessivos, de encolhimento da atividade econômica com o aumento do desalento — observa Frank.
A PNADC também mostrou que o Estado registrou 526 mil pessoas desocupadas no primeiro trimestre de 2021, crescimento de 4,36% em relação ao mesmo período do ano passado. Já o total de ocupados ficou em 5,19 milhões — recuo de 6,9%.
Salto maior na comparação com o Brasil
O total de desalentados no Rio Grande do Sul no primeiro trimestre é o maior para o período dentro da série histórica do IBGE. O movimento de elevação acompanha o cenário nacional, mas em escala maior. No país, o número de desalentados chegou a 5,97 milhões de pessoas no primeiro trimestre — crescimento de 25,2% em relação ao mesmo recorte de tempo do ano anterior.
A economista do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e especialista em mercado de trabalho Lúcia Garcia avalia que parte do crescimento em maior escala no Rio Grande do Sul na comparação com o país ocorre em razão da reforma trabalhista.
A economista entende que o Estado sentiu de maneira mais tardia os efeitos das novas flexibilizações na dinâmica do mercado de trabalho por, tradicionalmente, adotar uma postura mais conservadora. Esse fator acaba refletindo no aumento defasado dos trabalhadores por conta própria, nos intermitentes e também no volume de desalentados em solo gaúcho, segundo a economista:
— O impacto que a reforma trabalhista teve no restante do país vai incidir muito lentamente no Rio Grande do Sul ao longo do tempo. Acho que a covid acelerou a assimilação da reforma trabalhista no Rio Grande do Sul.
Futuro
O pesquisador do IBGE afirma que a situação do número de desalentados no segundo semestre está diretamente ligada ao estágio da pandemia no país. O coordenador afirma que o mercado de trabalho tem de aquecer, com abertura de postos, para criar estímulo para os desalentados.
— Se tivermos uma melhora no sentido no cenário econômico, como uma perspectiva em relação a postos de trabalho, é natural que muitas dessas pessoas que estão hoje desalentadas voltem para a busca efetiva de trabalho — explica Rodrigues .
O professor da PUCRS estima que o número de desalentados deve cair nos próximos meses, mas que é difícil prever o ritmo dessa reversão diante de algumas incertezas. Uma eventual terceira onda de covid-19 é um dos ingredientes que coloca um ponto de interrogação nesse sentido, segundo o economista:
— Deve haver uma aceleração na vacinação nos próximos meses. Só que há uma chamada terceira onda espreitando e não se sabe o quanto isso vai durar. Na vez passada, o choque maior durou praticamente dois meses, março e abril.
A economista do Dieese avalia que, em um cenário de retomada da economia, os desalentados terão uma reação mais tardia, pois esse grupo tem uma recuperação mais lenta no cenário do mercado de trabalho. A especialista destaca que esse eventual movimento está diretamente ligado ao avanço da vacinação contra a covid-19.
— A taxa de desemprego oscila mais. O volume de desalentados reage muito mais lentamente — pontua Lúcia.