A pressão dos custos de produção segue rondando a indústria no Rio Grande do Sul e coloca um ponto de interrogação sobre o tamanho do avanço do setor neste ano. Presentes na rotina dos empresários há pelo menos nove meses, insumos essenciais estão em falta e, quando há, o preço é elevado.
Metais, como aço, cobre e alumínio, semicondutores e itens usados para produção de plástico estão entre os principais produtos afetados pela crescente nos preços. Esse movimento também afeta os consumidores, que encontram preços mais altos em alguns produtos no varejo.
Pesquisa da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs) mostra que 74,4% dos empresários do setor citaram a falta ou o elevado custo de matérias-primas como o principal problema enfrentado no primeiro trimestre, período que também contou com restrições mais severas nas atividades diante da pandemia.
Os dados são os mais recentes do levantamento da entidade e apontam crescimento de 1,3 ponto percentual em relação ao quarto trimestre de 2020. A preocupação com a disponibilidade e com preço mais salgado dos insumos tem protagonismo no Estado desde o terceiro trimestre de 2020. O indicador alcançou uma sequência de três trimestres seguidos em níveis mais altos (veja mais abaixo).
O economista-chefe da Fiergs, André Nunes de Nunes, afirma que, neste momento, o aumento nos preços é o principal problema enfrentado pelas indústrias, principalmente no âmbito dos metais e de grãos, como milho.
— A oferta começa a ser restabelecida, a ser normalizada, ainda que com custos em patamar muito elevado. A gente observa que a reclamação em relação à falta diminuiu, mas os custos ainda não se acomodaram. Eles continuam avançando — salienta.
Nunes afirma ainda que alguns segmentos da indústria, como o de alimentos, tentam, na medida do possível, repassar esses aumentos. Já alguns setores ligados aos bens duráveis, como autopeças, móveis e utensílios domésticos, já observam baixa na demanda em razão dos preços mais elevados em um cenário de renda limitada, segundo o especialista. Em um contexto mais geral, o economista avalia que a permanência de preços elevados e a diminuição do consumo das famílias podem frear a produção da indústria:
— Falando em termos gerais, no agregado da indústria, o que a gente tende a ver se continuar com essa escalada de preços é uma acomodação da produção.
No primeiro semestre do ano passado, com as incertezas em relação aos impactos da pandemia na economia, algumas cadeias produtivas, como as ligadas aos metais, interromperam os trabalhos. Com a retomada com mais fôlego em alguns setores da indústria no segundo semestre, a demanda por matéria-prima aumentou substancialmente. Em um cenário com menos estoque, o preço dos insumos saltou. A alta nos preços das commodities no cenário internacional e do dólar também impactou no preço de produtos usados pela indústria. Neste ano, esse desalinhamento persiste.
Ruben Bisi, diretor Institucional da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC Caxias), afirma que o aço é o insumo que mais causa impacto no município da Serra, principal polo metalmecânico do Estado. Além da falta de material, o preço mais elevado dificulta o ritmo do setor, principalmente nas pequenas e médias empresas, que não conseguem negociar compras programadas diretamente com as usinas, segundo o diretor.
— Esse pequeno e médio fabricante também fornece para os grandes. Então, tem uma inflação represada que é a diferença de preço que os pequenos e médios estão sofrendo versus os grandes — explica.
Bisi destaca que a falta e o preço alto dos insumos podem impactar na participação da indústria da transformação no Produto Interno Bruto (PIB) do país neste ano. Além desse fator, o aumento no preço da energia elétrica também preocupa, segundo o dirigente.
— Tem dois grandes problemas. Um é falta de insumos. Vai faltar insumo para a indústria crescer como teria de crescer, caso não haja aumento de produção de matéria-prima. A segunda questão é a crise da energia elétrica, que está nos preocupando — expõe Bisi.
A fabricação de automóveis também convive com problemas de matérias-primas. Além da dificuldade em relação ao preço do aço, o segmento sofre com a crise global de falta de semicondutores. Com carros cada vez mais dotados de tecnologia, esses componentes eletrônicos são importantes na fabricação. A falta do material provoca a suspensão de operação em linhas de montagens e, consequentemente, impacta na oferta e no preço de alguns tipos de veículos.
Dificuldade em absorver aumento dos preços
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, reforça que o varejo enfrenta dificuldade ao tentar repassar os custos mais elevados da indústria. A economista destaca que a instabilidade econômica que afeta o orçamento das famílias dificulta ainda mais esse processo:
— Depois de um ano bem complicado, como foi 2020, os varejistas estão sendo bem seletivos no repasse de preços. O que a gente tem percebido no varejo é uma redução das margens, especialmente em produtos que não são considerados fundamentais dentro do orçamento das famílias.
A construção civil segue entre os segmentos mais afetados pela alavancada nos preços de insumos. O setor tenta equilibrar o alto custo de produção com o bom momento da venda de imóveis, que segue aquecida. O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), Aquiles Dal Molin Júnior, afirma que o aço segue sendo o principal vilão, com aumento desproporcional. Levantamento da entidade aponta crescimento de 123% no preço desse material nos últimos 12 meses.
— Algumas incorporadoras estão represando os lançamentos, aguardando uma reacomodação dos valores dos insumos, para não correr o risco de ver sua margem de lucro reduzir ou ficar negativa. O mercado é um limitador. É impossível repassar o percentual que o aço subiu. O mercado de imóveis tem uma capacidade de absorção desse realinhamento de preços limitada — explica o presidente do Sinduscon-RS.
A indústria de móveis também tenta driblar o aumento no preço da matéria-prima. Chapas de madeira, de MDF e de MDP, e materiais para embalagem, como o papelão, estão entre os itens com maiores elevações no preço no setor moveleiro, segundo o presidente Associação das Indústrias de Móveis do Estado do Rio Grande do Sul (Movergs), Rogério Francio. O dirigente afirma que o varejo precisa repassar em algum patamar o custo mais elevado ao consumidor, mas enfrenta dificuldade em um cenário de orçamento familiar cada vez mais prejudicado:
— Quando vai para o varejo, para o consumidor, tem de repassar aquilo que a indústria recebeu, mas houve uma queda, porque o consumidor não está com uma remuneração à altura de absorver esses aumentos. Por isso houve essa queda no consumo.