Por Cesar Paz, Gustavo Borba e Jorge Audy
Empreendedor e professor da Unisinos; professor e pesquisador da Unisinos; professor e pesquisador da PUCRS
Em tempos de complexidade e incertezas, a linearidade do pensamento associada à negação da evolução do mundo e do conhecimento é o caminho para o isolamento. Não é possível negar que a sociedade e os processos de desenvolvimento econômico e social se transformam ao longo do tempo.
É nesse contexto que propomos o debate sobre a necessidade de transformação do conceito usual de capitalismo, que tem como uma de suas dimensões a compreensão do papel das empresas na sociedade. Podemos analisar o pensamento econômico e de desenvolvimento após a crise de 1929, com seu apogeu na década de 1970, tendo como referência o artigo de Milton Friedman A Responsabilidade Social das Empresas É Aumentar Seus Lucros, que está completando 50 anos, e ainda citado dogmaticamente por pessoas que desconsideram os avanços e desafios do contexto social e econômico que vivemos hoje, muito diferente de meio século atrás.
Atualmente, pode-se perceber que abordagens equivocadas de desenvolvimento nos projetaram para um mundo de enormes catástrofes ambientais e desigualdades sociais que nos expõem uma pobreza que nos constrange como humanidade. Assim, a natural preocupação social e a centralidade nas pessoas e na dignidade humana nos ditos novos modelos econômicos é uma questão central para refletirmos sobre qual sociedade queremos para as próximas décadas.
Não é por acaso que emergem no mundo todo, mesmo nos países mais desenvolvidos, movimentos como o Imperative 21 (com origem nos Estados Unidos) e o On Impact (com origem na Inglaterra). Esses movimentos surgem no seio do capitalismo mundial e procuram renová-lo, superando um modelo centrado no egoísmo e no individualismo. Eles são a todo o momento menosprezados por grupos que num esforço intelectual buscam encontrar amparo, além de Friedman, nas obras não ficcionais de Ayn Rand (1905-1982) como A Virtude do Egoísmo, uma série de ensaios sobre os fundamentos e princípios da moralidade do autointeresse.
O Imperative 21 se posiciona no marco dos 50 anos daquela declaração de Friedman sobre a centralidade dos acionistas e do lucro como fator principal de atuação das empresas. Nesse movimento se busca deslocar o eixo central da remuneração aos acionistas para os stakeholders, em uma visão mais ampla, para a sociedade e o necessário compromisso social e ambiental das empresas no século 21. O B Lab, no Brasil representado pelo Sistema B, é um dos representantes mais visíveis deste movimento. O Sistema B, com mais de 200 empresas certificadas no Brasil, tem na Natura a sua maior expressão na América Latina.
Na Inglaterra, o On Impact se refere ao impacto social e ambiental das empresas, bem como a novos padrões de análise e valoração das empresas, avaliação, trabalho e consumo pela sociedade, incluindo mercado financeiro e governos.
Pessoas genuinamente preocupadas com o bem-estar coletivo, em escala global, para além do seu egoísmo pessoal, demonstram uma possibilidade concreta de evoluirmos para um modelo mais humano e social.
Em sua última encíclica, o Papa Francisco faz uma análise crítica das teorias conservadoras e dogmáticas na economia, concluindo que as forças de mercado não geraram a melhoria nas condições de vidas das pessoas, como algumas teorias afirmavam. Basicamente, a encíclica Todos Irmãos afirma que o mercado não pode estar acima da dignidade humana ou do meio ambiente.
Desde a década de 1970 e do artigo referencial de Friedman, se passaram 50 anos. Foi um período de mudanças tecnológicas e socioambientais. A ciência mostrou, por exemplo, que estamos avançando para a devastação do planeta. Acreditar que um conceito viaja no tempo e mantém sua relevância intacta é uma simplificação que desafia o próprio conceito de relação de causa e efeito linear.
Na prática, as relações são circulares, o conceito transforma o ambiente, o ambiente se ressignifica e transforma o conceito, e a sociedade busca novas formas, novas compreensões para evoluir. Hoje, mais do que nunca, com mais solidariedade e responsabilidade.
Não parece fazer sentido não reconhecer a potência desses movimentos que afloram no mundo e tentam ressignificar muito mais que um modelo econômico, buscam ressignificar nossa humanidade. Alguns conceitos e ações do passado são os causadores das crises que vivemos hoje, não somente as sanitárias, mas também as crises ambientais e humanitárias.
Einstein já dizia que era insanidade fazer a mesma coisa repetidamente e esperar resultados diferentes. Está mais do que na hora de buscarmos resultados diferentes, centrados na dignidade da pessoa, no respeito às diferenças e ao meio ambiente. Só assim vamos evoluir como sociedade. Para o bem de todos. Todos irmãos.