A presidente da rede de varejo Magazine Luiza, Luiza Trajano, comentou, em entrevista ao Roda Viva, a repercussão do programa de trainee exclusivo para pessoas negras, aberto pela empresa em setembro. A empresária declarou que a repercussão foi muito negativa nas redes sociais, mas que isso não abalou a determinação da empresa em seguir com a ideia.
— Nós temos que entender mais o que é racismo estrutural. No dia em que eu entendi, eu até chorei, porque eu sempre achei que eu não era racista. Nós temos que educar o que é o racismo estrutural. Eu brinco até que o nosso programa tem que ser perfeito, porque todo mundo olhou.
Quando perguntou se a repercussão da ideia a assustou, ela respondeu:
— Não. Me assusta muito mais quando o cliente reclama, fala que foi mal atendido, não recebeu... eu passo noites sem dormir de tristeza. O que me assustou foi ver o racismo estrutural que ainda existe inconsciente nas pessoas.
Segundo Luiza, o trainee foi muito estudado antes de ser colocado em prática, com análises jurídicas e de comitês contra a discriminação.
— Passou por um comitê isso, não é assim. Teve jurídico no meio. Não foi uma coisa de oba-oba. Não foi para mudar o Brasil, mas para mudar uma realidade nossa. Temos mulheres em alto cargo na empresa e não estávamos conseguindo ter negros. É muito importante tocar nisso. Não era um programa para criar essa polêmica.
Apesar das críticas, ela seguiu convicta de que a empresa deveria promover uma ação para ajudar a diminuir a desigualdade no Brasil.
— Nos três primeiros dias, fomos muito bombardeados. A gente até achou que as ações iriam cair. Mas isso não preocupa muito a gente, as ações já caíram para quatro reais e a gente ficou firme. Também não acredito que subiu por isso. As empresas vão ter que ter compromisso com a desigualdade. Tem que ter propósito, não dá só para ganhar e pronto — declarou a empresária.
Não foi para mudar o Brasil, mas para mudar uma realidade nossa. Temos mulheres em alto cargo na empresa e não estávamos conseguindo ter negros. É muito importante tocar nisso. Não era um programa para criar essa polêmica.
LUIZA TRAJANO, DO MAGAZINE LUIZA, SOBRE O TRAINEE PARA NEGROS
O trainee foi anunciado em setembro, com o objetivo de trazer mais diversidade racial para os cargos de liderança da companhia, "recrutando universitários e recém-formados de todo Brasil, no início da vida profissional", segundo a empresa.
Atualmente, a varejista tem em seu quadro de funcionários 53% de pretos e pardos. Mas apenas 16% deles ocupam cargos de liderança. "O alerta despertado por essa baixa participação fez com que o Magalu decidisse atuar, oferecendo oportunidades para quem ainda está começando a carreira", reforça a companhia.
O programa foi elogiado por entidades de igualdade racial, mas motivou denúncias no Ministério Público do Trabalho (MPT). A promotoria trabalhista, entretanto, recusou seguir com os processos.
Para o MPT, a política da empresa é legítima e não existe ato ilícito no processo de seleção, já que a reserva de vagas à população negra é plenamente válida e configura ação afirmativa, além de "elemento de reparação histórica da exclusão da população negra do mercado de trabalho digno". Essa exclusão, segundo o Ministério Público, se traduz na falta de oportunidades de acesso ao emprego, na desigualdade de remuneração e na dificuldade de ascensão profissional, "quando comparado aos índices de acesso, remuneração e ascensão profissional da população branca".
Em 2017, uma pesquisa do Instituto Ethos com as 500 empresas de maior faturamento do Brasil alertou que os profissionais negros correspondiam a apenas 6,3% dos postos de gerências e 4,7% do quadro executivo. O estudo aponta que nas posições de liderança se refletem as desigualdades raciais que impedem a representatividade majoritária da população negra, configurando o racismo estrutural que inviabiliza a equidade no mercado de trabalho.