O Rio Grande do Sul terminou 2019 com recorde de trabalhadores por conta própria. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua Trimestral, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Estado tinha 1,445 milhão de pessoas nessa situação no quarto trimestre do ano passado.
O volume é o maior desde o início do levantamento, em 2012, e representa 25,2% da população ocupada, que chega a 5,728 milhões. Em relação ao quarto trimestre de 2018, o Estado registrou 51 mil novos trabalhadores por conta própria. Já frente ao quarto trimestre de 2014, antes de o Brasil mergulhar na recessão, havia 206 mil pessoas a mais nessa situação no final de 2019.
O contingente é puxado por quem está na informalidade — pessoas sem Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) e que vivem geralmente de bicos. Ao todo, 970 mil se encaixavam nesse perfil no final de 2019. Há um segundo grupo, formado por quem tem CNPJ e composto principalmente por prestadores de serviços, que chegou a 475 mil indivíduos.
— O crescimento tem relação com a fragilidade da recuperação da atividade econômica após a crise. Há aumento da informalidade da economia, por um lado, e falta de oferta de trabalhos, de outro. Ser conta própria, em muitos casos, não é escolha, mas sim necessidade para sobreviver — destaca Walter Rodrigues, coordenador da Pnad Contínua no Estado.
Estudante de Medicina Veterinária, a porto-alegrense Carolina Ulrich de Lima considera que o mercado, no momento, tem poucas oportunidades e, por isso, decidiu trabalhar por conta própria. Ela aproveitou os conhecimentos que adquiriu em um curso técnico em maquiagem para oferecer serviços na área. Hoje, atende a domicílio para ocasiões como casamentos, festas e outros eventos.
— No início, estava um pouco insegura em dar a cara a tapa. Aos poucos, vais ganhando confiança e melhorando a técnica, mas não sei se é algo com que vou trabalhar para sempre — diz a maquiadora.
Nos últimos anos, o surgimento de novos tipos de trabalho, como motorista de aplicativo, e a flexibilização da lei laboral no Brasil, que passou a permitir a terceirização de qualquer atividade, também influenciam a expansão do número de trabalhadores por conta própria. Essa é a percepção do economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank.
– As relações de trabalho vão mudando conforme o tempo passa. A tecnologia e o surgimento de novos processos se refletem nas alterações que observamos na própria economia – aponta Frank.
Em 2019, o rendimento médio de um trabalhador por conta própria no Rio Grande do Sul foi de R$ 2.158 por mês, 16,8% abaixo dos R$ 2.595 relativos à média de todos os salários habitualmente recebidos a cada 30 dias no Estado. Entre os autônomos com CNPJ, a remuneração sobe para R$ 2.814, enquanto entre os informais cai para R$ 1.837. No mesmo período, um trabalhador do setor privado com carteira assinada recebeu, em geral, R$ 2.202.
Economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS, Ely José Mattos vê o avanço do trabalho por conta própria como um sintoma de precarização do mercado brasileiro:
– Com a crise, o desemprego foi aumentando e as pessoas precisaram recorrer a alternativas. Quem perde o emprego costuma tentar nova colocação. Como a economia não se recupera, a opção que sobra é trabalhar por conta própria.
Ainda que alguns autônomos consigam salário mensal superior ao que poderiam obter em um emprego fixo com carteira assinada, Mattos lembra que os trabalhadores por conta própria não têm acesso a uma série de mecanismos de proteção social. Eles não usufruem, por exemplo, de diretos que geram renda além do vencimento básico, como FGTS, férias remuneradas e abonos.
Cenário nacional
A expansão no número de trabalhadores por conta própria no Rio Grande do Sul acompanha tendência nacional. No quarto trimestre de 2019, o Brasil também atingiu o maior número de pessoas nessa situação desde o início da Pnad Contínua. Havia 24,557 milhões de indivíduos, dos quais 19,456 milhões na informalidade e 5,101 milhões com CNPJ.
Na comparação com o mesmo período de 2018, houve acréscimo de 782 mil pessoas neste grupo. Em relação ao quarto trimestre de 2014, antes da crise, o incremento é de 2,920 milhões.
Para o economista e professor do Insper Fernando Leite Neto, somente a retomada consistente da economia poderá fazer com que o número de trabalhadores por conta própria recue.
— Com a reação da economia, a estrutura do mercado muda. À medida que aparecerem oportunidades de emprego, a tendência é que o cara que hoje está trabalhando com transporte por aplicativos migre para uma vaga formal — exemplifica.
Com a retomada lenta da atividade econômica, a tendência é de que a quantidade de autônomos siga crescendo, projeta Leite Neto. Nesse sentido, o economista reforça que a expectativa inicial de crescimento da economia brasileira em 2020 está sendo revisada para baixo nas últimas semanas. O relatório Focus, elaborado pelo Banco Central com base nas estimativas de consultorias e bancos, indicava no início de janeiro que o Produto Interno Bruto (PIB) subiria 2,3%. Agora, a expansão prevista é de 2,2% neste ano.
Além disso, o impacto das revisões semanais elaboradas pelo estudo poderá ser mais significativo, dependendo do efeito projetado pela ação do coronavírus sobre a atividade econômica do país e do Estado.