Antes mesmo do recuo do presidente Jair Bolsonaro, sindicatos e entidades ligadas à Justiça do Trabalho reagiram com preocupação ante a medida provisória (MP) do governo federal que permitia a suspensão do contrato profissional por quatro meses, sem necessidade de remuneração ao empregado.
Diante da repercussão negativa, Bolsonaro anunciou nas redes sociais às 13h50min desta segunda-feira (23) que havia determinado a revogação do artigo 18 da MP, o qual permitia dispensa dos empregados sem pagamento de salário por até quatro meses.
O restante do texto segue em vigor, mas as outras medidas são menos impactantes. A iniciativa é uma reação do governo federal à pandemia de coronavírus, que têm levado a declarações de quarenta no Brasil e paralisação de diversos setores da economia. Pela intenção inicial do Palácio do Planalto, a suspensão de contratos sem garantia de remuneração poderia ser aplicada a partir de acordos individuais entre o empregador e os empregados. Havia previsão de que as empresas ofertassem curso de qualificação online. Uma ajuda de custo poderia ser definida entre as partes, mas não era obrigatória. A MP caminhava na contramão de ações tomadas em países como Estados Unidos, Inglaterra e França, que optaram por programas de proteção da renda da população.
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) divulgou nota em que considera a MP "desastrosa" aos trabalhadores e suas famílias, além de "atingir a sobrevivência de micro, pequenas e médias empresas".
"Na contramão de medidas protetivas do emprego e da renda que vêm sendo adotadas pelos principais países atingidos pela pandemia — alguns deles situados no centro do capitalismo global, como França, Itália, Reino Unido e Estados Unidos —, a MP 927, de forma inoportuna e desastrosa, simplesmente destrói o pouco que resta dos alicerces históricos das relações individuais e coletivas de trabalho, impactando direta e profundamente na subsistência dos trabalhadores, das trabalhadoras e de suas famílias", diz trecho do comunicado da Anamatra.
Para a entidade, a medida do governo federal "lança os trabalhadores à própria sorte" e "pede o sacrifício individual das pessoas".
Mesmo com o recuo de Bolsonaro, centrais sindicais terão reuniões na tarde desta segunda-feira (23) para discutir estratégias que possam barrar políticas desse tipo. Uma das ações já definidas é pressionar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o presidente em exercício do Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG).
— O governo está perdido e não tem capacidade nenhuma de compreensão. Mandar a população para casa sem solução de remuneração, já tendo 12 milhões de desempregados, é iniciar o processo que levará a economia ao estado de parafuso. Isso vai virar uma bola de neve que poderá gerar violência social e quebradeira no comércio. Se as pessoas estarão sem poder de compra nenhum, como o pequeno e o médio empresário vão sobreviver? — questiona Ricardo Patah, presidente nacional da União Geral dos Trabalhadores (UGT).
Para ele, existem alternativas como a suspensão do pagamento da dívida pública com os credores da União, usando esse dinheiro para garantir a quitação de salários.
— Não é hora de ficar pagando juro para banco. Todos os recursos tem que ser utilizados para garantir os salários — diz Patah.
Para Mari Andreia Andrade, integrante da Secretaria Executiva da CSP Conlutas, não deve ser descartado o chamamento de uma "greve pela vida" naqueles setores que ainda se encontram em atividade, com exceção dos profissionais da saúde e alimentação. Ela avalia que seria uma forma de pressionar o ímpeto do governo Bolsonaro.
— É uma medida provisória desumana, numa conjuntura em que o coronavírus coloca em risco a vida de milhares de pessoas. Em quatro meses sem salário, as pessoas não terão condição de se alimentar e de sobreviver. Evidentemente, vai causar violência no país. É uma medida descabida neste momento de crise mundial — avalia Mari.
Também em nota, o Ministério Público do Trabalho (MPT) manifestou "extrema preocupação" com a MP. Para a entidade, ela aceleraria a estagnação econômica, como efeito colateral. O MPT disse ver "com preocupação a não participação das entidades sindicais na concepção de medidas", já que não houve consulta do Planalto aos representantes dos trabalhadores.