A guerra de preços do petróleo entre grandes países produtores deve reduzir a competitividade do etanol no Brasil. A avaliação de especialistas e do mercado é a de que, dependendo da duração da disputa, poderá haver problemas para as usinas já nas primeiras semanas da próxima safra de cana-de-açúcar no país. A safra 2019/20, que oficialmente termina neste mês, foi prioritariamente alcooleira, com 65% da cana sendo usada para produzir etanol.
A queda de braço entre Arábia Saudita — membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) — e Rússia — que se recusou a cortar a produção para fazer frente à queda do preço da matéria-prima — está sendo chamada de guerra do preço do petróleo, provocando impactos em todo o mundo.
Os desdobramentos da crise ditarão o ritmo da produção das usinas no país. Se o preço da gasolina cair muito, usinas podem deixar de produzir o etanol hidratado (utilizado diretamente nas bombas dos postos) para priorizar o anidro (que é misturado à gasolina antes da venda). Ou ainda, até mesmo elevar a produção de açúcar.
— O principal construtor dos possíveis cenários da crise é o tempo de duração da guerra de preços. Se for um mês, o impacto é baixo, pois há estoque e tem o tempo até chegar ao preço de bomba também, mas se durar dois ou mais meses, começa a afetar bem mais porque haverá uma redução forte no preço da gasolina — afirmou Marcos Fava Neves, docente da Universidade de São Paulo (USP) especializado em agronegócios.
De acordo com ele, essa possível redução forçará, consequentemente, a queda no preço do etanol.
Professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), Mirian Bacchi disse que o etanol sobreviveu a períodos conturbados como o atual e que a intensidade da crise será medida também pela forma como a Petrobras repassará as possíveis quedas no preço da gasolina.
— O impacto é diferente se for de forma abrupta ou se será usado um colchão, para reduzir o impacto e não haver repasse de forma tão rápida, especialmente em razão do diesel. É tudo muito incerto, mas estamos dependentes da questão política mesmo, não é nem questão econômica — disse.
Já Antonio de Padua Rodrigues, diretor-técnico da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), disse que, se de um lado o preço do petróleo cai, de outro a alta do dólar influencia também na definição do preço dos combustíveis nas bombas.
— Precisamos saber se isso (queda do petróleo) se perpetua ou não. Há questões como qual a razão efetiva desse preço, se é uma questão política, e tem a demanda do consumo de óleo também. Outro ponto é como os produtores de petróleo vão aguentar muito tempo com preço nesse patamar. Qualquer cenário de curto prazo é em cima de premissas que não necessariamente devem acontecer — disse.
Atenuantes
Embora a perspectiva seja negativa, o mercado aponta a desvalorização do real como um fator para amenizar os impactos da queda do preço do petróleo.
— Se o dólar estivesse a R$ 4, o impacto seria muito maior para a cana, inclusive para o cenário de curto prazo, de um mês — disse Neves.
Já o açúcar, para ele, não deve ter impacto tão forte pois a maior parte da produção das usinas para esta safra já está comercializada com preços definidos. Há, ainda, outro ponto a ser considerado, na avaliação do especialista: o setor utiliza muito diesel, que também terá preços mais favoráveis caso haja redução do valor da gasolina nos postos.
Rodrigues aponta ainda a flexibilidade de produção de etanol nas usinas. Se a de hidratado cair, as usinas podem elevar a fabricação do anidro.
— Há dois grandes mercados para o etanol, ou como aditivo ou como concorrente (da gasolina). Na última safra, de 590 milhões de toneladas, 35% foi para o açúcar e 65% para o etanol. Nós vamos fazer anidro, hidratado, açúcar e contar com o funcionamento do Renovabio, que pode ajudar nesse momento — disse.