A valorização do dólar em 2020, intensificada pelo avanço da epidemia de coronavírus no mundo e pela consequente desaceleração da economia global, passa a ser cada vez mais sentida no bolso do consumidor gaúcho. Nesta terça-feira (10), a moeda norte-americana fechou cotada em R$ 4,646, queda de 1,69% frente ao dia anterior. No entanto, ao longo do ano, acumula alta de 15,77%. Com isso, uma vasta gama de itens, de alimentos a eletroeletrônicos, já começa a sofrer reajuste nos preços. E o movimento tende a se intensificar nas próximas semanas.
Um dos alimentos mais presentes no dia a dia das pessoas, o pão francês figura entre os itens que estão ficando mais caros. O preço do cacetinho, como é chamado no Rio Grande do Sul, acumulou inflação de 2,17% até a segunda quinzena de fevereiro, de acordo com o Índice de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No período, a inflação média da Capital ficou em 0,98%.
O pão tem exposição direta à variação cambial. Isso porque, apesar de o Rio Grande do Sul produzir 43% do trigo brasileiro, a oferta do cereal utilizado na fabricação da farinha fica aquém da demanda. O Brasil colheu 5,15 milhões de toneladas em 2019, enquanto a demanda totaliza 12,96 milhões de toneladas, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Por isso, a saída encontrada pelos moinhos é importar trigo, principalmente da Argentina, país que atualmente vende a R$ 961 a tonelada. O valor é o mais alto desde 2010, conforme a Associação Brasileira da Indústria do Trigo (Abitrigo).
- Tem moinho pedindo R$ 55 no saco da farinha de 25 quilos, quando no início do ano não passava de R$ 40. Pela primeira vez temos o quilo da farinha passando dos R$ 2. Não há mais como segurar o preço do pão, a tendência é de repasse desse custo - constata Arildo Bennech Oliveira, vice-presidente do Sindicato das Indústrias de Panificação e Confeitaria e de Massas Alimentícias e Biscoitos do Rio Grande do Sul (Sindipan).
Repasses a partir da próxima semana
O presidente do Sindicato dos Lojistas do Comércio de Porto Alegre (Sindilojas), Paulo Kruse, salienta que a partir da semana que vem diversos produtos importados deverão sofrer reajustes de aproximadamente 10% no comércio da Capital. Entre os itens afetados estão roupas, aquecedores, celulares, aparelhos de ar condicionado e outros eletroeletrônicos em geral.
Como os lojistas costumam fazer estoques para períodos entre 60 e 90 dias, até o momento a valorização do dólar influenciou pouco os preços dos artigos, de acordo com Kruse. No entanto, novas remessas de mercadorias deverão chegar nos próximos dias sob impacto do novo patamar de cotação do câmbio, o que deve alterar a marcação final nas prateleiras. Além disso, o setor enfrenta problemas logísticos em decorrência do período de paralisação das fábricas na China.
- Temos produtos de inverno, como casacos, blusões e luvas, que começariam a chegar entre março e abril e que provavelmente não chegarão a tempo. Algumas compras os lojistas estão cancelando, outras estão renegociando - constata o dirigente.
O cenário externo adverso deve afetar o crescimento do Brasil em 2020, prolongando a lentidão no processo de retomada da atividade econômica. Neste contexto, os lojistas acabam tendo pouca margem para subir preços, na percepção do economista-chefe da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Porto Alegre, Oscar Frank.
- Tudo leva a crer que teremos mais um ano de crescimento baixo. Então, a capacidade de repassar preços ao consumidor fica prejudicada. Os lojistas vão precisar comprimir margens de lucro para que não haja um impacto tão significativo nas vendas - pondera.
Ainda que o dólar pressione os preços, Frank ressalta que o impacto na inflação oficial do país é moderado neste momento, em razão da elevada ociosidade de mão de obra e de maquinário nas fábricas brasileiras.
Agas descarta risco de desabastecimento
Cenas de supermercados lotados e prateleiras vazias começam a se tornar comuns em alguns países europeus afetados pelo coronavírus. Mesmo que o Rio Grande do Sul tenha confirmado o primeiro caso de infecção nesta terça, o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, descarta cenário semelhante no Estado.
O dirigente relata que, no momento, apenas itens como álcool gel e máscaras estão com estoques reduzidos, por conta da procura inesperada para esta época do ano.
- Aqui vai ter pânico mesmo quando começarem os tradicionais resfriados no inverno. Mas o setor está bem estruturado em relação aos estoques. Itens de higiene e limpeza são mais procurados, mas não a ponto de haver risco de desabastecimento - garante.