O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) está estruturando um modelo para as empresas de saneamento, com governos estaduais, que desvincularia a distribuição de água da coleta de esgoto, à espera da aprovação no Congresso de um novo marco legal que estimule investimento privado no setor. Segundo o presidente do banco, Gustavo Montezano, o modelo deve tornar as empresas mais atraentes para os investidores e, ao mesmo tempo, manter a distribuição de água na mão do Estado.
Conforme explicou Montezano, em conversa durante a reunião do Fórum Econômico de Davos, na Suíça, o objetivo da proposta é permitir que o governo administre eventuais problemas de consumo — à exemplo do que ocorre no Rio de Janeiro, onde a água distribuída pela Cedae tem alterações de cor, gosto e cheiro alterados, preocupando a população.
— Água tem que ficar com o Estado — afirmou.
O presidente do BNDES disse ter sido indagado por investidores durante o Fórum a respeito da reforma do saneamento — a aprovação do novo marco legal que travou no Congresso no final do ano. O novo modelo, entretanto, pode ser uma forma de destravá-la.
Montezano afirmou que, no momento, trabalha-se com três Estados: Amapá, Acre e Alagoas. Conforme houver progresso, disse, o Rio de Janeiro entraria na lista.
O Brasil ainda tem 100 milhões de pessoas sem acesso à coleta e ao tratamento de esgoto, e 35 milhões sem acesso a água tratada. Doenças decorrentes da falta de saneamento no SUS custaram R$ 1 bilhão nos últimos cinco anos. Os maiores déficits estão nos Estados do Norte e do Nordeste.
A mudança nas regras seria também uma forma de aumentar a cobertura, atraindo investimento privado com uma margem atraente de retorno para um setor onde falta empenho de gestão e dinheiro público.
A reportagem procurou os governos do estados citados por Montezano para verificar o andamento dos processos. Alagoas e Acre traçaram um planejamento para concessão dos serviços de saneamento ainda neste ano. O governo do Amapá não respondeu aos contatos da reportagem até a conclusão desta reportagem.
Em Alagoas, a concessão será feita em três diferentes lotes. Com valor estimado em R$ 2,5 bilhões, o primeiro deles engloba a região metropolitana de Maceió, que concentra 53% da população do Estado. Na modelagem definida pelo governo estadual, a Casal — estatal de água e saneamento de Alagoas — vai permanecer com as etapas de captação e tratamento da água bruta. Já a distribuição da água, coleta e tratamento de esgoto ficará sob responsabilidade da concessionária.
— É como se a padaria fosse do setor privado, mas o trigo tivesse que ser comprado do ente público — explicou o secretário de Infraestrutura de Alagoas, Maurício Quintela.
Ele afirma que a concessão permitirá ao Estado obter os recursos para universalizar o acesso à água tratada em Alagoas em até seis anos. A expectativa é publicar o edital da concessão do lote Grande Maceió nas próximas semanas e realizar o leilão em abril deste ano. Os outros dois lotes, que englobam a região do agreste e a região sul do estado, devem ser licitados em um segundo momento.
Já no Acre, a modelagem definida prevê a licitação dos serviços de água e esgoto, mas não foram revelados detalhes. A expectativa é captar R$ 1,3 bilhão em recursos privados, dinheiro que será investido na ampliação e melhoria da qualidade do sistema.
O abastecimento de água no Estado cobre 92% das famílias, mas a cobertura de coleta de esgoto atinge só 34%. A ineficiência do sistema, contudo, é o principal gargalo a ser enfrentado. Atualmente, cerca de 60% da água tratada que é distribuída é perdida ou fisicamente com vazamentos, ou comercialmente com a inadimplência.
— Tivemos um investimento relativamente alto nas últimas duas décadas, mas os resultados são pífios. O nível de perdas do nosso sistema é muito elevado — afirma o secretário adjunto de Planejamento Jarbas Anute.
O Estado planeja licitar a concessão ainda em 2020. Para isso, tenta obter a autorização das Câmaras Municipais dos 22 municípios atendidos pela estatal de água e saneamento. Até o momento, a legislação que autoriza a concessão foi aprovada em oito cidades.
Na semana passada, durante evento do banco Credit Suisse em São Paulo, Montezano citou o saneamento entre os três setores que considera a nova fronteira para o banco ampliar sua participação.